Palavras difíceis de escrever

“O pai é o amigo, o mestre e o guia que nos conduz pela vida com sabedoria e amor”

Platão

Esta semana foi aniversário de meu pai. Completaria 90 anos, se estivesse vivo. Faleceu há exatos 10 anos. Nestas datas marcantes, o grupo de WhatsApp da família começa a pipocar com mensagens carinhosas sobre sua ausência e a saudade que temos dele. Fotos antigas são resgatadas, juntamente com alegres momentos de seu convívio com a família e os amigos.

Por um tempo me paraliso e penso no que deveria escrever no grupo para expressar a falta que ele faz. Não consigo achar as palavras. Nesta hora vejo como deve ser difícil escrever um epitáfio que não seja clichê. Busco por um verbo, uma ideia que evoque uma ideia. Uma espécie de discurso em poucas palavras. Não quero frases apaziguadoras que dão lugar ao silêncio reflexivo tendente ao vazio e que passem uma noção de finitude.

A um pai a quem se amou por muitas décadas, nenhum filho há de querer dar uma visão de término.

Sei que a morte não é necessariamente um fim. Há dias que o ausente desponta com insólita teimosia, repete tiradas antigas, ri com empolgação e lança um olhar carinhoso e furtivo. Há instantes em que parece possível dizer algo que ele ouça e que irá responder. Me pego por diversas vezes recordando com os demais familiares e amigos o comportamento que ele teria nos dias de hoje, principalmente ao ver o Flamengo de 2019, ou de passagens marcantes que sempre gostamos de ouvir, mesmo que repetitivamente.

Como, então, vou retratar tudo isso numa frase, num emoji, num gif, numa figurinha de WhatsApp?

Meu pai me deu a vida e a lição de que é preciso buscá-la nos outros até se tornar outro. Agora ele vive nos outros, pois são os outros que garantem sua existência, com sua memória e seu afeto inaudito. Suas amizades eram tão marcantes que é como se o mundo gostasse dele de verdade. Eis aí um epitáfio bacana.

Um pai é sempre mais que o olhar de um filho. É um homem com sua vasta experiência e amor incondicional e que durante muito tempo é a nossa referência de vida. Depois, sua lembrança nos limpa a alma e purifica o sangue. Sinto que é isso que me traz paz: buscar fundações amorosas para minhas lembranças, esquecer por um instante o mundo sórdido e sombrio de hoje.

Não encontrei palavra alguma para responder ao grupo de mensagens, mas me reconforto na lembrança de que ele sempre foi o porto seguro da família. A pessoa a quem todos recorriam com seus problemas e que, sem nenhum interesse próprio, não se furtava em se dedicar de corpo e alma à solução ou ao reconforto de terceiros. 

Minha vida é marcada por intempéries que acabaram me moldando numa pessoa reservada. Ele me ajudou em momentos muito difíceis, como na perda precoce de meu melhor amigo e na morte de meu filho recém-nascido. Infelizmente, não pôde estar presente em outros momentos dolorosos. Esta ausência me foi muito sentida, mas compensada pelos amigos – poucos, é verdade – e pela força e união da família.

Se pudesse dizer algo para ele agora, diria o seguinte: Sem você, pai, teria sido mais difícil. Obrigado.