Já não basta ser craque. O futebol exige exemplos. 

O futebol está mudando drasticamente. E não estou falando de regras, esquemas táticos ou do desempenho atlético. Vivemos uma mudança de consciência. Se compararmos o caso do goleiro Bruno e o caso do ex-atleta e treinador Cuca com o julgamento de Daniel Alves e a prisão recente do Robinho, fica evidente que vivemos novos tempos. E como o futebol não é uma bolha, podemos afirmar que essa mudança reflete valores e comportamentos que estão se tornando inaceitáveis fora de campo. A imagem do futebolista vencedor, do craque dono de grandes resultados, pode ser sumariamente destruída pela má conduta extracampo. Muito mais fulminante do que a perda de um pênalti em final de campeonato. 

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o passado, a imagem dos jogadores de futebol era associada a uma cultura de indulgência, malandragem e comportamento extravagante, com casos frequentes de escândalos envolvendo álcool, festas, drogas e comportamento descontrolado. Era comum ver os jogadores como figuras polêmicas, envolvendo-se em situações controversas que muitas vezes manchavam suas reputações e a imagem do esporte. Mas nada disso os abalava. Pelo contrário, era comum dizer que eles eram craques, e não santos. Afinal, aos clubes e aos torcedores só interessava que os jogadores jogassem bem; fora de campo era outra coisa.  

No entanto, com o aumento da cobertura da mídia, o escrutínio público e as pressões comerciais, os jogadores de futebol têm sido cada vez mais cobrados a dar importância a uma imagem pública positiva. Eles são considerados não apenas atletas, mas também modelos e ícones para os fãs, especialmente para as gerações mais jovens. 

Como resultado, muitos clubes implementaram códigos de conduta rigorosos e programas de educação para orientar os jogadores sobre comportamento adequado e responsabilidade fora do campo. Os jogadores são incentivados a se envolver em atividades sociais e de caridade, demonstrando um compromisso comunitário e responsabilidade social. 

E mais: as mídias sociais desempenham um papel importante na maneira como os jogadores são percebidos pelo público. Eles têm a capacidade de se comunicar diretamente com os fãs e controlar sua própria narrativa, mas também estão sujeitos a um julgamento constante e podem enfrentar repercussões por comportamentos inadequados. 

O fato é que os times, se ainda não estão se preocupando, terão de fazer isso logo. Procurar não ter apenas craques, mas pessoas que representem o clube dentro e fora do gramado. Até porque, no futebol moderno, que é tão físico e tático, não dá mais para o jogador viver o seu dia a dia sem pensar como um atleta de alto desempenho. Não há espaço para o atleta profissional com vida pessoal amadora. A figura do gênio da grande área que ao sair do clube se ocupava com toda sorte de atividades prejudiciais a seu desempenho, como álcool, tabaco e noites mal dormidas, simplesmente não existe mais. Vide Cristiano Ronaldo, que é muito mais cultuado como ídolo mundial por sua obstinação, seu porte atlético e sua potência, do que, necessariamente, por lances geniais.  

Essa semana a justiça argentina definiu a prisão domiciliar de jogadores do clube Vélez Sarsfield, por abuso sexual. Antony, jogador do Manchester United, enfrenta a acusação de agressão. Esses casos revelam uma verdade: provavelmente o futebol perderá craques. Mas a sociedade como um todo ganhará atletas que representam não só o time, mas os valores que podem inspirar outras pessoas. Exemplos como o de Zico, idolatrado até hoje por torcedores de todo o mundo graças à sua genialidade em campo e à sua honradez fora dele reforçam esse ponto. Pensando em jogadores ainda em atividade, não podemos deixar de citar Messi e o próprio CR7.  

Além disso, a entrada de recursos vultosos no esporte muda toda a dinâmica, já que reduz a importância do resultado e aumenta a importância da imagem. Um exemplo vem do próprio caso Robinho, quando os patrocinadores pressionaram o Santos para desistir da sua contratação em 2020, após a publicação com detalhes da sua sentença.  

Se o episódio, por si só, é triste, não deixa de ser uma oportunidade para a CBF, os clubes de futebol e as demais federações mundiais terem posições rigorosas quanto à conduta de seus jogadores, quer seja quanto ao relacionamento machista e misógino, quer seja quanto aos comportamentos racistas, também tão frequentes no mundo do futebol. É uma oportunidade não só de se fazer campanhas, mas também de se criarem regras duras e aplicá-las contra esse tipo de postura, dentro e fora do campo, por parte da torcida, dos clubes e dos jogadores.