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Será que o futebol está se tornando um esporte de elite?

Será que o futebol está se tornando um esporte de elite?

Historicamente, o futebol sempre foi visto como o esporte das massas. Desde seus primórdios, atraiu grandes multidões e era uma das poucas oportunidades para indivíduos de baixa renda se destacarem. Muitos jogadores de futebol vieram de contextos humildes e viam no esporte uma chance de ascensão social. As grandes torcidas de times como Flamengo, Corinthians, Atlético Mineiro e Bahia eram formadas por pessoas de poder aquisitivo baixo, refletindo essa ligação com as camadas populares. Enquanto isso, alguns clubes de São Paulo, Fluminense e Botafogo, por exemplo, tinham um perfil mais elitizado, embora essa distinção tenha se diluído ao longo do tempo. 

Contudo, o cenário atual do futebol, tanto na Europa quanto na América do Sul, vem mudando radicalmente. A Champions League é um exemplo claro dessa transformação, tornando-se um espetáculo de elite com ingressos caríssimos e estádios lotados por um público mais abastado. Esse fenômeno se reflete também na América do Sul, onde os ingressos dos jogos importantes são inacessíveis para a maioria dos torcedores tradicionais. 

A globalização do futebol fez com que clubes como o Real Madrid tenham mais torcedores fora da Espanha do que dentro do próprio país. Esse movimento de internacionalização afastou o torcedor local, que é, em muitos casos, quem construiu a história do clube. A crescente construção de estádios próprios pelos clubes e a implementação de padrões FIFA em suas instalações também contribuem para a elitização do esporte. Esses estádios são explorados de forma cada vez mais comercial, afastando os torcedores de baixa renda. 

Na última final da Champions League, vimos um contraste claro entre as torcidas do Borussia Dortmund e do Real Madrid. Enquanto a torcida do Borussia, apegada às suas raízes e tradições, fez um espetáculo vibrante em Londres, a torcida do Real Madrid, apesar da vitória, se mostrou menos entusiasmada. Esse exemplo ilustra a mudança no perfil do torcedor: de um público local e apaixonado para um público internacional e menos envolvido emocionalmente. 

Há não muito tempo, ir ao estádio era um programa reservado aos apaixonados pelo futebol e, em muitos casos, às pessoas de baixa renda. Os torcedores mais abastados preferiam assistir aos jogos em casa, com todo o conforto das transmissões televisivas. Hoje, no entanto, essa realidade se inverteu. Os estádios se tornaram espaços caros e sofisticados, inacessíveis para muitos torcedores de baixa renda, que agora assistem aos jogos em casa, muitas vezes em condições menos confortáveis do que antigamente. 

Os programas de sócio-torcedor, que deveriam facilitar o acesso aos jogos, não conseguem suprir a demanda. Mesmo os sócios têm dificuldades para adquirir ingressos, que acabam sendo vendidos no mercado secundário a preços exorbitantes. Esse processo afasta ainda mais o torcedor tradicional dos estádios. 

Além da elitização do público, os próprios jogadores de futebol passaram por uma transformação significativa. Antigamente, eram figuras humildes focadas apenas em jogar bola. Hoje, muitos jogadores se tornaram popstars, atraídos pela fama e pelo luxo. As cifras bilionárias que giram em torno dos contratos transformaram esses atletas em celebridades, muitas vezes mais preocupados com compromissos midiáticos do que com suas carreiras esportivas. 

Essa mudança é paradoxal, pois, apesar de o futebol exigir fisicamente cada vez mais dos atletas, muitos jogadores abandonam a carreira precocemente para desfrutar de uma vida de luxo. Recentemente, uma declaração atribuída a um membro do Real Madrid ou Manchester City ilustrou bem essa questão: “De que adianta ser bilionário se não consegue desfrutar do dinheiro que arrecadam?” Essa frase resume o dilema atual: a sobrecarga de jogos e compromissos contrasta com o desejo de aproveitar as fortunas acumuladas em uma carreira breve. 

O futebol, que sempre foi o esporte das massas, está se tornando cada vez mais um símbolo de elite. A globalização dos clubes, a construção de estádios sofisticados e caros, e a transformação dos jogadores em popstars são sinais claros dessa mudança. O torcedor raiz, aquele que sempre esteve presente e ajudou a construir a história do futebol, está sendo gradualmente afastado, substituído por um público mais abastado e menos apaixonado. Esse fenômeno levanta questões sobre o futuro do esporte e a necessidade de encontrar um equilíbrio que permita a inclusão de todos os apaixonados pelo futebol, independentemente de sua condição econômica. 

About Author

Maurício Ferro

O que o futebol, vinhos, direito, política e economia têm em comum? Muito mais do que você imagina. E ao contrário do que prega o ditado popular, podem e devem ser debatidos e analisados sim. Sejam bem-vindos ao site de Maurício Ferro, um canal para se criar e trocar pensamentos e opiniões. Maurício Ferro é advogado, formado pela PUC do Rio de Janeiro, com mestrado e especializações realizadas em universidades como a London School e University of London. Cursou OPM na Harvard Business School. Autor de trabalhos publicados nas áreas comercial e de mercado de capitais, e com atuação no Conselho de Administração de grandes empresas, fundamentou sua carreira jurídica e executiva com foco do Direito Empresarial. Mas sua paixão vai além do mundo corporativo. Flamenguista apaixonado, Mauricio conhece os meandros do mundo profissional do futebol e de outros esportes. É sócio em empresas inovadoras como a 2Blive, uma startup global focada em soluções tecnológicas para suprir a carência no ensino, especialmente em áreas de grande necessidade como a África. Investe ainda na empresa Flow Kana, sediada na California, e voltada para a produção científica da Canabis para diversos fins, como medicinal, produção de roupas ou uso recreativo. A todos esses ingredientes, adicione ainda um profundo conhecimento sobre vinhos e os caminhos deliciosos da enologia. Essa é a receita do que vocês encontrarão por aqui.

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