Na última quinta-feira, 30 de maio de 2024, os Estados Unidos testemunharam um evento sem precedentes em sua história política. O ex-presidente Donald Trump foi condenado por um júri de Nova York em todas as 34 acusações de fraude contábil, relacionadas ao pagamento de US$ 130 mil à atriz pornô Stormy Daniels, com o intuito de silenciar um caso durante a eleição de 2016. Embora Trump possa pegar até quatro anos de prisão, é improvável que vá para a cadeia, podendo enfrentar penas mais brandas. Entretanto, dada a natureza jurídica e eleitoral norte-americana, que não impede pessoas investigadas ou condenadas em qualquer instância a se candidatarem, Trump ainda pode e deverá concorrer à presidência novamente. Não apenas isso, mas ele já recebeu apoio de importantes membros do mercado e de investidores para seguir na corrida à casa Branca.
Este artigo, entretanto, não vai analisar a culpa ou inocência do ex-presidente republicano. O fato gerado, agregado a outros importantes acontecimentos em nosso próprio país, me geraram uma reflexão sobre o papel decisivo do Judiciário em processos eleitorais realizados por todo o planeta. Algo ilustrado pelo quanto uma condenação pode impactar significativamente a percepção dos eleitores e o panorama político de uma nação. Mesmo nos EUA, onde não há um tribunal eleitoral específico e tudo é decidido na corte comum, o Judiciário se mostra uma força poderosa no cenário eleitoral.
Nos Estados Unidos, o impacto do Judiciário nas eleições tem sido crescente. A condenação de Trump não o impede legalmente de se candidatar, mas o efeito dessa decisão sobre os eleitores e sua campanha pode ser profundo. A confiança do público no sistema eleitoral e na integridade dos candidatos é diretamente influenciada por tais processos judiciais. Este caso destaca a crescente interseção entre justiça e política, onde decisões judiciais podem moldar o futuro político de uma nação.
Comparativamente, no Brasil, o papel do Judiciário nas eleições é ainda mais estruturado. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e a Lei da Ficha Limpa são mecanismos específicos que regulam a elegibilidade dos candidatos. A Lei da Ficha Limpa, por exemplo, impede que políticos condenados em segunda instância por crimes como corrupção possam concorrer a cargos públicos. Este instrumento tem sido um pilar na tentativa de manter a integridade do processo eleitoral brasileiro.
Historicamente, o Judiciário brasileiro também teve um impacto significativo nas eleições. O exemplo mais notório é o de Luiz Inácio Lula da Silva, que por uma interferência maligna do Judiciário foi impedido de se candidatar contra Jair Bolsonaro nas eleições de 2018 devido a uma condenação por corrupção. Por outro lado, o próprio Bolsonaro enfrenta atualmente a suspensão de seus direitos políticos, impedindo sua candidatura nas próximas eleições. Essa suspensão decorre de condenações relacionadas a ações durante sua campanha e seu mandato presidencial.
Ambos os casos exemplificam como o Judiciário pode influenciar decisivamente o cenário político de uma nação. Nos EUA, sem um tribunal eleitoral específico, e no Brasil, com um sistema judicial eleitoral estruturado, o Judiciário se tornou um ator crucial nas eleições. A função do Judiciário em garantir a legalidade e a ética no processo eleitoral é vital, mas sua crescente influência levanta questões sobre a extensão de seu papel.
Episódios históricos em que a justiça interveio para condenar ou impedir a participação de candidatos em eleições não são raros. Na Itália, por exemplo, o ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi enfrentou várias condenações que impactaram sua carreira política. Na África do Sul, Jacob Zuma, ex-presidente, também foi envolvido em diversos processos judiciais que afetaram sua trajetória política. Mesmo o ex-presidente americano Bill Clinton quase teve sua trajetória interrompida por um impeachment. E, para ficarmos nos EUA, tem ainda o famoso caso Watergate, em que a pressão do judiciário e a aprovação de um impeachment levaram o então presidente Nixon a renunciar, na metade da década de 70.
Diante de tantos fatos, seja em uma cultura mais liberal como a dos EUA ou em uma mais regulamentada como a do Brasil, fica claro que o Judiciário tem se tornado uma ferramenta de influência nos processos eleitorais. Independentemente de Donald Trump concorrer ou não, e de ganhar ou não, está claro que essa condenação terá impactos profundos no processo eleitoral americano.
A importância de um Judiciário ativo na proteção da integridade eleitoral é inegável. No entanto, é importante analisar até que ponto sua atuação é benéfica para os processos eleitorais e para a manutenção da democracia. Um equilíbrio deve ser encontrado para garantir que a justiça sirva como um guardião da ética e da legalidade, sem se tornar um agente de desestabilização política. O Judiciário deve atuar com imparcialidade, garantindo que sua influência seja sempre em prol da justiça e da democracia.
Esse é um limite tênue, principalmente quando vemos tantos líderes mundiais cometendo atos que abrem brecha para julgamentos e condenações. A resposta de como calibrar a ação jurídica nos processos eleitorais ainda é nebulosa. A Lava Jato deixou mais este legado nefasto, qual seja, o uso do judiciário para interferir nas campanhas em andamento. As viúvas da Lava Jato hoje choram pelo excesso de interferência do Judiciário, mas aplaudiram de pé um juiz corrupto e seus asseclas quando estes modificaram o cenário eleitoral e tentaram exterminar a classe política.
O pêndulo do equilíbrio deverá voltar ao centro com o passar do tempo, mas com enorme custo social. A lição que devemos aprender é a de que o radicalismo de direita ou de esquerda gera consequências graves para a estabilidade política do país. O jogo político deve voltar a ser jogado no tabuleiro da política, distante dos magistrados. A interferência na campanha por parte do Judiciário virou um processo paralelo no mundo político, que tanto interfere na eleição como no pós-eleição.
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Mais um excelente artigo.