Economia Política

Como as empresas morrem 

Como as empresas morrem 

“O poder não é um fim em si mesmo, mas é essencial para a realização dos objetivos.” 

Nicolau Maquiavel 

No livro “Como as Democracias Morrem”, de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, os autores exploram o declínio democrático através de estudos concretos. Enfatizam a importância de líderes comprometidos com a democracia e instituições fortes para preservar a saúde democrática. O livro descreve como democracias podem entrar em colapso não apenas por golpes militares, mas também de maneiras mais sutis, como quando líderes eleitos minam gradualmente as instituições democráticas.  

O mundo corporativo empresarial muito se assemelha a estas definições. Há várias formas diferentes de uma empresa desaparecer. Pode ser por esgotamento do produto ou do serviço no mercado, mudança tecnológica, acidente de gravíssimas proporções, abalo fatal à marca ou administração financeira ruinosa. Mas há uma outra forma de morte também sutil, em que, embora a empresa ainda exista, ela perde sua relevância no mercado e gradualmente se transforma num ente em estado letárgico, sem rumo, um verdadeiro zumbi empresarial. 

Este colapso normalmente se inicia quando a empresa perde seu controle. Não me refiro à diluição do controle num projeto organizado de emissão de ações na bolsa de valores ou por uma venda da empresa, mas por ascensão de lideranças fracas e não comprometidas, graças à ausência de comando do acionista. 

Não basta olhar um organograma empresarial e conferir que as caixinhas das posições executivas estão todas preenchidas. É preciso que estes líderes sejam admirados pela sua equipe e seus pares e sejam respeitados pelo mercado. É preciso que sejam referência interna e externa. 

E quem escolhe as lideranças de uma empresa é o acionista controlador. Controle é exercício de poder. A própria lei das sociedades anônimas define o acionista controlador pela sua capacidade jurídica de indicar maioria na administração, aliado ao efetivo exercício deste poder. Ou seja, não basta ter o direito, é preciso exercê-lo através das decisões tomadas diariamente. 

Assim, o acionista controlador que, por omissão, desleixo ou covardia, deixa de exercer seu poder de controle fará com que a empresa fique à deriva, ao sabor dos ventos, pois, além de ausência de direcionamento estratégico claro, há um vácuo de referência de liderança aos integrantes da empresa. Isso gera consequências que vão desde a perda de executivos valiosos à perda de credibilidade da empresa no mercado. 

Podemos citar a Polaroid como exemplo da perda de visão estratégica; a Enron, como exemplo de problemas de governança gerando perda de accountability e conflitos de interesse; a Blockbuster, como exemplo de estagnação e falta da inovação; a HP, pelos seus conflitos internos entre lideranças que geraram decisões disfuncionais e prejudiciais à empresa. No Brasil temos vários exemplos, como a construtora Rabello, a Varig, a Encol, a Vasp e a Mendes Jr (em letargia) – todos os exemplos têm em comum a ausência de efetiva liderança do controle. 

Há uma máxima no mundo corporativo de que se não houver efetivo exercício do poder pelo acionista, os executivos tomam a empresa, mudam sua cultura, e passam a fazer a administração voltada somente para seus interesses pessoais, sem o compromisso estabelecido pelo fundador da empresa com a sociedade. 

Os paralelos entre o livro de Levitsky e Ziblatt e o mundo corporativo são interessantes. Assim como as democracias dependem de normas e valores compartilhados, empresas também necessitam de uma cultura organizacional solida. E quando as empresas negligenciam ou ignoram sua cultura, arriscam perder a coesão interna e a eficiência. 

Tanto em democracias quanto em empresas, a falha na renovação, na sucessão de lideranças e na transição de poder também resultam em abalos aos pilares de sua sustentação. 

Da mesma forma que líderes políticos podem minar normas democráticas, líderes corporativos podem tomar decisões que comprometam a saúde da empresa em busca de ganhos pessoais levando a empresa ao declínio. E empresas frágeis, sem relevância no mercado e sem comando forte, são suscetíveis ao estado de coma ou ao desaparecimento. 

About Author

Maurício Ferro

O que o futebol, vinhos, direito, política e economia têm em comum? Muito mais do que você imagina. E ao contrário do que prega o ditado popular, podem e devem ser debatidos e analisados sim. Sejam bem-vindos ao site de Maurício Ferro, um canal para se criar e trocar pensamentos e opiniões. Maurício Ferro é advogado, formado pela PUC do Rio de Janeiro, com mestrado e especializações realizadas em universidades como a London School e University of London. Cursou OPM na Harvard Business School. Autor de trabalhos publicados nas áreas comercial e de mercado de capitais, e com atuação no Conselho de Administração de grandes empresas, fundamentou sua carreira jurídica e executiva com foco do Direito Empresarial. Mas sua paixão vai além do mundo corporativo. Flamenguista apaixonado, Mauricio conhece os meandros do mundo profissional do futebol e de outros esportes. É sócio em empresas inovadoras como a 2Blive, uma startup global focada em soluções tecnológicas para suprir a carência no ensino, especialmente em áreas de grande necessidade como a África. Investe ainda na empresa Flow Kana, sediada na California, e voltada para a produção científica da Canabis para diversos fins, como medicinal, produção de roupas ou uso recreativo. A todos esses ingredientes, adicione ainda um profundo conhecimento sobre vinhos e os caminhos deliciosos da enologia. Essa é a receita do que vocês encontrarão por aqui.

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