No meu não, pardal!
“Não Bota no Meu”
Música de Jair Rodrigues
A decisão do plenário do STF quanto à eventual responsabilização da imprensa por declaração do entrevistado causou enorme alvoroço na imprensa brasileira. Tão logo a decisão foi proferida, uma miríade de comentários críticos dos principais veículos de comunicação vem inundando o noticiário.
Tratam do assunto com diatribes constantes. Chega a ser curiosa a forma agressiva. Falam de censura, fim da imprensa livre, fim das reportagens ao vivo, controle ditatorial, insegurança jurídica, capítulo sombrio, ataques à liberdade de informação, e até mesmo da tese conspiratória de que esta decisão, aliada à indicação de Flávio Dino e Cristiano Zanin ao Supremo, seria uma forma de golpe da esquerda para tomar o poder sem que a imprensa pudesse fazer seu papel crítico.
O esperneio é claramente desproporcional. Típico de comportamento misantropo dos veículos de comunicação, que por mais louvável que seja sua contribuição à democracia – e o é –, não está imune à falta de qualidade do que produz.
A impressa jamais fez uma autocrítica do seu papel. Atualmente, com amplo alcance da notícia, uma publicação maldosa ou irresponsável causa danos irreparáveis. Pode levar pessoas até mesmo ao suicídio.
Pouco se viu, por exemplo, de arrependimento pela conduta reconhecidamente irresponsável da imprensa na Lava Jato, pelo apoio dado à Ditadura Militar no Brasil ou pelo escândalo da Escola Base de São Paulo. Interpreta a plena liberdade de atuação descrita na Constituição Federal como imunidade. Ou seja, enquanto toda a sociedade está dançando ao som de regras e responsabilizações, a imprensa é a melodia improvisada da liberdade sem consequências.
Fato é que não me parece que a decisão do STF tenha limitado o exercício sério do jornalismo. A tese emanada pela Suprema Corte limita os casos passíveis de responsabilização às situações em que “na época da divulgação da entrevista já se sabia, por indícios concretos, que a acusação era falsa e a empresa não cumpriu o dever de cuidado de verificar a veracidade dos fatos e de divulgar que a acusação era controvertida”. A decisão, portanto, fala em imputação de crimes de forma falsa e falta do dever de cuidado na verificação da verdade dos fatos. Requisitos basilares do bom jornalismo. (Vide artigo sobre a objetividade do jornalismo.)
A imprensa alega que não pode controlar o que o entrevistado fala. Não é bem assim.
Ela escolhe o entrevistado e a forma da entrevista. E já há mecanismos de controle interno em tudo que a imprensa publica ou leva ao ar. Achar que o trabalho do jornalista não passa pelo escrutínio da pauta selecionada, do editorial, dos interesses comerciais e da edição final antes de ser publicada é ingenuidade.
E se o problema é a entrevista ao vivo, há remédios capazes de serem implementados. Cito como exemplo um outro caso que ocorreu justamente na mesma semana. Numa entrevista à Jovem Pan, a jornalista Paula Schmitt fez comentários gordofóbicos e racistas ao Ministro da Justiça e a uma jornalista da CNN. Imediatamente o âncora do programa interveio e repudiou a conduta da entrevistada, deixando claro que o veículo de comunicação não compactua com o que foi dito ao vivo. Este tipo de intervenção, aliado a uma nota do entrevistador afirmando que “o veículo não pode atestar a veracidade das colocações feitas pelo entrevistado, que não necessariamente são verdadeiras” pode e deve ser adotado nas entrevistas ao vivo. Nos debates políticos já há muita intervenção do jornalista mediador neste sentido, concedendo, inclusive, imediato direito de resposta ao ofendido.
Este tratamento único que a imprensa deseja para o exercício da sua profissão nos faz lembrar de George Orwell no seu famoso livro “A Revolução dos Bichos”, no qual faz uma sátira política sobre a natureza da autoridade, do poder e da igualdade na sociedade. Orwell cunhou a célebre fase “Todos são iguais, mas alguns são mais iguais do que os outros”.
Esta decisão, na prática, impactará somente aqueles veículos que são conhecidos por fazer um mau jornalismo, sendo, portanto, salutar para a profissão. Corroborando esta minha percepção, encontramos os editoriais dos jornais O Globo e Estadão do dia 1º dezembro de 2023.
Nos tempos atuais de abundância de fake news e descontrole da informação, exigir cuidado no que se divulga não é exagero. O recentíssimo caso da FOX News, poderoso império de comunicação norte-americano que confessou veicular notícias falsas durante o processo eleitoral nos EUA, durante as eleições de 2020, e pagou US$ 787,5 milhões de dólares para encerrar o processo, traz uma luz quanto à importância de se rever certas condutas. Censura jamais. Responsabilidade pelo que se produz é essencial.
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Excelente artigo. Parabéns.