Comportamento

Tudo como não era antes

Tudo como não era antes

“Lamentar uma dor passada, no presente, é criar outra dor e sofrer novamente.”

William Shakespeare

A conhecida expressão portuguesa “tudo dantes como no quartel de Abrantes” refere-se ao que permanece sempre na mesma, sem alteração. Mas, e se o passado pudesse ser alterado? Poucos questionamentos na cultura contemporânea instigam tanto a nossa imaginação como a possibilidade de viajar no tempo e alterar o passado.

No início do século passado, Albert Einstein, com sua teoria da relatividade, lançou as bases para nossa compreensão moderna do tempo e do espaço. Esta teoria se tornou um dos princípios fundamentais da física moderna.

A versão resumida da teoria se fundamenta em duas ideias: a primeira é de que todas as coisas são medidas em relação a alguma outra coisa, isto é, não existe um quadro de referência absoluto; a segunda é a de que a velocidade da luz é constante e um limite máximo da natureza.

A partir destas ideias, uma viagem no tempo se torna real e mensurável. Portanto, um observador viajando em alta velocidade experimentará o tempo em um ritmo mais lento do que o outro observador. Em outras palavras, quanto mais rápido se viaja, mas devagar se experimenta a passagem do tempo.

Cientistas já realizaram experimentos para provar a teria de Einstein. No mais clássico deles, usou-se dois relógios perfeitamente sincronizados na mesma hora. Um destes relógios permaneceu na Terra, enquanto o outro seguiu em um avião que viajou na mesma direção da rotação da Terra. Depois que o avião deu a volta ao mundo, os cientistas compararam os dois relógios e verificaram que o relógio do avião estava viajando um pouco mais devagar, numa taxa equivalente a um segundo por segundo.

Em suma, para viajar no tempo, basta acelerar. E a depender da tecnologia utilizada, seria possível viajar dias, meses e décadas e até mesmo bilhões de anos. Poderíamos testemunhar a vida dos dinossauros, a evolução e a destruição da humanidade, o fim da Terra e do Sol, ou a colisão da Via Láctea com Andrômeda.

Sendo cientificamente possível viajar no tempo, seria ético e moral, ou recomendável, voltar ao passado para corrigir nossos erros?

Todos nós temos arrependimentos, remorsos, mágoas ou desejo de fazer diferente algo que já fizemos. Por isso, a ideia de voltar ao passado e corrigir esta penitência é tão tentadora.

Quem não gostaria de voltar no tempo e colocar o Paulo Isidoro para marcar o Paolo Rossi, no fatídico jogo de Sarrià, na Espanha, na copa de 1982? Ou alertar ao Barbosa, goleiro da seleção da copa 1950, de proteger o canto esquerdo do arremate do uruguaio Ghiggia? Ou ainda voltar a 1º maio de 1994 e convencer Ayrton Senna a não disputar o Grande Prêmio de Ímola.

Poderíamos citar inúmeros exemplos que, pelo seu mérito coletivo, mereceriam um rearranjo do passado. Guerras, atentados terroristas, ascensão de líderes tiranos autocráticos, tragédias climáticas, acidentes aéreos e navais. A lista é tão extensa que a única solução para resolver a todas as questões ao mesmo tempo seria retornar ao momento inicial do Big Bang ou, para os religiosos católicos, evitar que a serpente seduzisse Eva, e depois Adão, a comerem o fruto proibido.

Mudar o passado traria mais felicidade? Existem implicações éticas e morais a serem consideradas, além do desconhecimento das consequências desta alteração na vida das pessoas e a preservação do curso natural da história.

O filósofo David Lewis, abordando o que chamou de paradoxo do avô, discutiu as contradições de viagens no tempo e questionou se de alguma forma a história se ajustaria às mudanças.

Na visão utilitarista e consequencialista, mudar o passado para evitar eventos trágicos, como guerras ou desastres naturais, é moralmente correto se resultar em menos sofrimento global. O filósofo John Stuart Mill argumentou que a moralidade deve se basear na maximização da felicidade e na minimização do sofrimento, o que poderia ser aplicado a essas situações.

Já Benedetto Croce enfatiza a importância da história como uma disciplina que busca compreender o passado, preservando sua autenticidade e evitando intervenções que distorçam a verdade histórica. Portanto, a história preservada nos ajuda a entender como o mundo e a sociedade evoluíram ao longo do tempo, permitindo-nos aprender com seus erros.

O filósofo Immanuel Kant argumentou sobre a moralidade baseada na ação de acordo com o dever, enquanto Jean-Paul Sartre explorou a moralidade da escolha individual, que poderia ser aplicada a essas decisões.

Os dilemas éticos e morais complexos envolvidos em voltar no tempo e mudar o passado despertam visões distintas. Todos estes filósofos contribuíram para a discussão dessas questões, cada um com perspectivas únicas e abordagens próprias.

Por muito tempo ainda, viagens no tempo somente serão possíveis na física e nas páginas dos livros de ficção científica. Portanto, viajar ao futuro ou ao passado para corrigir nossos erros continuará apenas na nossa imaginação.

Estas abordagens nos fazem refletir sobre a moralidade do comportamento humano, diante das possibilidades ilimitadas que a viagem no tempo nos traz. Somos conclamados a um duelo intelectual, ético e pessoal, que indaga a natureza do nosso comportamento para além das amarras morais.

A verdade é que, apesar de todo o ensinamento que recebemos ao longo da vida de que “é importante perdoar para ser perdoado”, “aceitar os fatos como ele são”, “virar a página” etc., se tivéssemos este poder, dificilmente deixaríamos de usá-lo para corrigir o passado, seja para um fim altruísta ou particular, como a perda de um ente querido num acidente. Agimos como agimos porque achamos justo que se mude o passado.

Eu mesmo, se tivesse este poder, teria uma lista de assuntos para tratar. Um deles, seria alertar meu bisavô de retirar antes de 24 de outubro de1929 seus investimentos na bolsa de valores de Nova York.

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Maurício Ferro

O que o futebol, vinhos, direito, política e economia têm em comum? Muito mais do que você imagina. E ao contrário do que prega o ditado popular, podem e devem ser debatidos e analisados sim. Sejam bem-vindos ao site de Maurício Ferro, um canal para se criar e trocar pensamentos e opiniões. Maurício Ferro é advogado, formado pela PUC do Rio de Janeiro, com mestrado e especializações realizadas em universidades como a London School e University of London. Cursou OPM na Harvard Business School. Autor de trabalhos publicados nas áreas comercial e de mercado de capitais, e com atuação no Conselho de Administração de grandes empresas, fundamentou sua carreira jurídica e executiva com foco do Direito Empresarial. Mas sua paixão vai além do mundo corporativo. Flamenguista apaixonado, Mauricio conhece os meandros do mundo profissional do futebol e de outros esportes. É sócio em empresas inovadoras como a 2Blive, uma startup global focada em soluções tecnológicas para suprir a carência no ensino, especialmente em áreas de grande necessidade como a África. Investe ainda na empresa Flow Kana, sediada na California, e voltada para a produção científica da Canabis para diversos fins, como medicinal, produção de roupas ou uso recreativo. A todos esses ingredientes, adicione ainda um profundo conhecimento sobre vinhos e os caminhos deliciosos da enologia. Essa é a receita do que vocês encontrarão por aqui.

3 Comments

  • Não sei se mudaria a História, mas gostaria muito de presenciar vários fatos Históricos.

  • Não sei se mudaria a História, mas se pudesse, gostaria muito de presenciar vários fatos Históricos.

  • Não sei se mudaria a História, mas viajar no tempo sim…

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