Política

Quid pro quo

Quid pro quo

“A política não deveria ser a arte de dominar, mas sim a arte de fazer justiça”

Aristóteles

Quid pro quo é uma expressão latina que em português tem o sentido de confusão, engano ou barraco. Nos países anglo-saxônicos, o significado da locução evoluiu em sentido distinto, tendo presentemente o significado de um acordo de troca de favores. Assim, na versão anglo-saxã se assemelharia à pratica atual da barganha política.

A barganha entre os Poderes Legislativo e Executivo é uma prática que remonta a muitos séculos na política. A história está recheada de casos clássicos que ilustram vividamente como o Executivo e o Legislativo usam suas influências para nomear ministros de Estado em troca de apoio político nas pautas do Congresso. A complexa dinâmica entre esses dois Poderes vem crescendo de forma exponencial.

Para aqueles que acham que se trata de um fenômeno local, vale lembrar a criação do Senado Conservador no período Napoleônico. No início do século XIX, Napoleão Bonaparte emergiu como uma figura política poderosa na França. Para consolidar seu domínio sobre o país, ele buscou apoio do Legislativo. Um exemplo notável ocorreu quando Napoleão nomeou membros do Senado Conservador, uma instituição chave, com base em critérios políticos. Ele selecionou indivíduos que eram leais a seu regime e favoreciam suas políticas, ganhando assim o apoio crucial do Legislativo. Essa nomeação estratégica garantiu a continuidade de seu governo autoritário.

A era Roosevelt e a negociação da Lei de Previdência Social nos EUA, durante a Grande Depressão na década de 1930 é outro bom exemplo. O presidente Franklin D. Roosevelt enfrentou a necessidade de aprovar legislação para aliviar a crise econômica. Para obter o apoio do Congresso, Roosevelt recorreu à nomeação de juízes para a Suprema Corte. Em um famoso episódio conhecido como “Ameaça à Corte”, ele propôs aumentar o número de juízes da Suprema Corte, alegando a necessidade de rejuvenescer o tribunal. Embora essa proposta tenha sido controversa, ela influenciou alguns membros do Congresso a apoiar sua agenda legislativa, incluindo a Lei de Previdência Social.

O caso histórico mais emblemático se deu com o presidente Abraham Lincoln e suas manobras políticas para aprovar a lei que aboliu a escravatura nos EUA. Lincoln, o 16º presidente, percebeu a importância de formar alianças políticas sólidas para aprovar a emenda da abolição. Assim, costurou alianças com membros do partido republicano, desde as alas moderadas às mais radicais e fez pactos individuais com congressistas democratas, implementando uma espécie de “mensalão” norte-americano. Após a aprovação da Emenda, o presidente do Congresso cunhou a famosa frase: “A mais importante lei da atualidade, aprovada mediante corrupção, liderada pelo homem mais puro do mundo”.

No Brasil, já não se trata a barganha política a portas fechadas, e o toma lá dá cá se faz pelos jornais de forma natural. É assunto constante no noticiário o travamento de pautas importantes no Congresso Nacional, até que haja um movimento pelo Executivo que agrade o Legislativo. Congressistas, de forma escancarada, já requisitam abertamente cargos nos ministérios, nas estatais e liberação de verba do orçamento secreto para não deixarem caducar medidas provisórias. O Executivo, por sua vez, quando tem interesse em determinado ato Legislativo, vai logo oferecendo retribuições para uma simples aprovação legislativa.

Como tudo na vida é evolutivo, qual será o limite para esta politica de escambo?

A resposta ainda é uma incógnita, mas do jeito que a coisa está indo, com negociações no varejo entre os Poderes, será muito difícil produzir políticas públicas sérias. O economista Marcos Mendes, em artigo na Folha de S. Paulo, descreveu bem como nascem as péssimas políticas públicas brasileiras. Segundo o economista, “há uma hiperatividade dos políticos para mostrar serviço, ganhar pontos eleitorais e empurrar a conta para frente. Decisões são tomadas, nos três Poderes, de forma fragmentada, conflitante, sem embasamento técnico, com foco no curto prazo e sem preocupação com os efeitos colaterais”.

É natural que congressistas busquem maximizar seu capital político eleitoral, mas cabe ao Executivo montar uma aliança política que privilegie o atacado, formando uma base mínima para aprovação de medidas importantes. O Congresso já percebeu que negociar sobre demanda está sendo mais produtivo, diante de uma base política fragmentada e multipartidária. Em tal situação, Executivo e Legislativo buscam satisfazer seus interesses e preservar seu status político, em potencial detrimento do interesse dos cidadãos.

O atual governo buscou a coalizão com diversos partidos políticos na formação inicial de seu ministério, em troca de apoio nas votações no Congresso, criando uma complexa rede de alianças políticas. A estratégia não deu certo, o presidente foi obrigado a sacrificar aliados em busca de reforço para a coalizão e as negociações continuam atreladas a contrapartidas pontuais.

A barganha política entre o legislativo e o executivo é um fenômeno histórico que transcende fronteiras e épocas. Essa prática pode ser uma estratégia eficaz para líderes políticos alcançarem seus objetivos. No entanto, essa dinâmica também levanta questões sobre transparência e accountability, destacando a importância de se estabelecer um sistema político saudável e equilibrado, pelo qual o interesse público deve ser preservado.

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Maurício Ferro

O que o futebol, vinhos, direito, política e economia têm em comum? Muito mais do que você imagina. E ao contrário do que prega o ditado popular, podem e devem ser debatidos e analisados sim. Sejam bem-vindos ao site de Maurício Ferro, um canal para se criar e trocar pensamentos e opiniões. Maurício Ferro é advogado, formado pela PUC do Rio de Janeiro, com mestrado e especializações realizadas em universidades como a London School e University of London. Cursou OPM na Harvard Business School. Autor de trabalhos publicados nas áreas comercial e de mercado de capitais, e com atuação no Conselho de Administração de grandes empresas, fundamentou sua carreira jurídica e executiva com foco do Direito Empresarial. Mas sua paixão vai além do mundo corporativo. Flamenguista apaixonado, Mauricio conhece os meandros do mundo profissional do futebol e de outros esportes. É sócio em empresas inovadoras como a 2Blive, uma startup global focada em soluções tecnológicas para suprir a carência no ensino, especialmente em áreas de grande necessidade como a África. Investe ainda na empresa Flow Kana, sediada na California, e voltada para a produção científica da Canabis para diversos fins, como medicinal, produção de roupas ou uso recreativo. A todos esses ingredientes, adicione ainda um profundo conhecimento sobre vinhos e os caminhos deliciosos da enologia. Essa é a receita do que vocês encontrarão por aqui.

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