Sucesso: dom natural ou esforço sobrenatural?
“O dom sem esforço é como o sol sem calor; o esforço sem o dom é como o calor sem luz”
Walter Scott
No debate sobre o desenvolvimento de habilidades e dons, uma questão central emerge: as pessoas nascem com dons naturais ou é o estímulo, o ambiente e o esforço que criam a facilidade para desenvolver habilidades?
A discussão remonta à Grécia antiga. Platão na sua teoria do inatismo sugere que certos conhecimentos são inerentes à mente desde o nascimento. Platão discutiu essa ideia em sua obra “Mênon”, na qual argumenta que o conhecimento é relembrado a partir de experiências anteriores da alma.
Em contraponto, a visão ambientalista de John Locke crê que a maior parte do conhecimento humano e do comportamento é moldada pelo ambiente e pela experiência. Segundo o filósofo inglês, a mente humana é uma tábula rasa, uma folha em branco, na qual nada está escrito. Assim, todo conhecimento vem da experiência sensorial, observação e interação com o ambiente que o cerca, com ênfase na educação, na cultura, na sociedade e do ambiente em geral. Essa teoria enfatiza a responsabilidade coletiva de criar ambientes que promovam o bem-estar e o desenvolvimento humano.
Pesquisas na área de genética comportamental têm identificado genes que podem influenciar traços como inteligência, personalidade e habilidades específicas. Assim, à medida que surgiram dados empíricos, principalmente com estudos que comparam pares de gêmeos monozigóticos (geneticamente idênticos) com dizigóticos, mais claro fica que ambos os fatores importam para o aprimoramento de habilidades.
Faltava saber qual o peso de cada um deles.
Não falta mais. Em 2015 foi publicado na revista Nature Genetics uma robusta pesquisa que avaliou milhares de estudos com gêmeos envolvendo aproximadamente 15 milhões de pares de irmãos e concluiu que há equivalência entre a genética e o ambiente. Mais precisamente 49% para a genética e 51% para o ambiente. A má notícia para os que defendem a maior influência do ambiente é que os fatores sobre os quais teríamos algum controle, como cidade, escola, alimentação, atitudes dos pais, não parecem desempenhar um papel muito importante.
Ao que tudo indica, bem mais relevante é o ambiente não compartilhado, que inclui desde elementos da vida intrauterina até as forças do acaso.
Esta conclusão parece aderir à realidade. O genial Mozart, um dos músicos mais prodigiosos da história, recebeu estímulos musicais desde tenra idade. Seu pai, Leopold Mozart, foi um talentoso músico e pedagogo que proporcionou educação musical precoce ao filho, ajudando a desenvolver seu talento musical excepcional.
Thomas Edison, o inventor da lâmpada incandescente, era conhecido por sua inteligência e curiosidade desde a infância. Sua mãe o encorajou a explorar experiências novas fornecendo um ambiente estimulante que levou a criar inovações.
Do mundo do esporte, podemos citar Usain Bolt, velocista jamaicano conhecido por sua genética favorável, incluindo uma alta proporção de fibras musculares rápidas que, combinadas com um treinamento rigoroso desde jovem, fizeram do jamaicano um dos maiores velocistas de todos os tempos. Ou Michael Phelps, nadador norte-americano que devido a fatores genéticos tem uma envergadura maior que a média e uma capacidade pulmonar excepcional. Seu talento natural para a natação foi aprimorado por anos de treinamento intensivo e apoio familiar, o que o levou a ser o maior recordista de medalhas olímpicas.
Alguns flamenguistas desmedidos alegam que Zico, o maior jogador brasileiro depois de Pelé, é a combinação perfeita de dom e esforço. Estes amigos abusam do exagero. Zico não se encaixa nesta definição. O estudo compara somente os mortais, e sendo ele a reencarnação de Apolo, deus grego da perfeição e das artes, não seria correto mencioná-lo neste contexto.
Na minha vida acadêmica e profissional, me deparei com pessoas verdadeiramente talentosas. Tiveram sucesso profissional em maior ou menor escala. Alguns deles, infelizmente, conjugavam talento e esforço para a maldade alheia. Espero que o ambiente possa lhes influenciar para se tornarem pessoas melhores.
Como diz o dito popular, “dom natural é a semente, o ambiente é o solo; somente quando a semente encontra o solo certo pode florescer em todo seu esplendor”.
Desse modo, para os preguiçosos de plantão, que creditam o sucesso de terceiros somente ao dom natural, fica a certeza de que talvez você não seja um gênio, mas pode compensar a genética desfavorável com esforço, ambiente e estímulo adequados. Pois o fracasso continua sendo uma característica dos pouco resilientes.
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Parabéns!