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A indiferença do mundo com o Oriente Médio: estamos perdendo nossa humanidade?

A indiferença do mundo com o Oriente Médio: estamos perdendo nossa humanidade?

“O oposto do amor não é o ódio, é a indiferença.”

Elie Wiesel – escritor e Nobel da Paz

Passados 15 dias do brutal atentado terrorista à Israel, as ações das lideranças internacionais na busca de solução para o conflito naquela região são cínicas e pífias. A constante cobertura jornalística, em tempo real, nos traz a falsa ideia de que há uma preocupação mundial com o conflito, dada a frequência do tema nos principais veículos da grande imprensa. Mas, ao nos concentrarmos nas ações efetivas, veremos que nada foi feito.

Se compararmos à agilidade com que esta mesma comunidade internacional agiu no conflito da Rússia com a Ucrânia, fica mais evidente a postura antissemita e islamofóbica do mundo. Dias depois dos primeiros bombardeios à Ucrânia, o mundo fez declarações duras contra a Rússia: abriu as fronteiras da Europa para receber refugiados; enviou equipamento militar; congelou patrimônio dos cidadãos Russos mundo a fora; cortou as fontes de receita da venda de óleo e gás da Rússia; baniu atletas Russos das competições esportivas; estabeleceu um bloqueio econômico ocidental à Rússia; e ainda obteve decisão da Corte Penal Internacional condenando Vladimir Putin como autor de crimes de guerra.

No conflito atual do Oriente Médio, a comunidade internacional quase nada fez. Além de ficar observando – receosa de trazer para si um problema que erroneamente acredita ser regional –, na prática, vimos somente declarações de repúdio a uma célula terrorista e alguma movimentação diplomática infrutífera para retirar civis do território de Gaza. Sequer a ONU conseguiu votar uma resolução de cessar fogo e deliberar sobre ajuda humanitária na região. Alguns países enviaram parcos recursos financeiros para demonstrar apoio às vítimas do conflito. Atitude muito mais simbólica do que efetiva.

Este conflito não começou em 7 de outubro, tem ocorrido continuamente. E agora, com este tremendo golpe a Israel. Em contrapartida, os civis palestinos estão indefesos, abandonados e prestes a serem dizimados, dado o poderio militar Israelense e a necessidade de resposta à brutalidade perpetrada por uma minoria terrorista.

Estamos presenciando inertes, há anos, crimes contra a Humanidade, no sentido mais amplo do termo. Nas palavras de Yuval Harari, “um crime contra a Humanidade não é apenas sobre matar seres humanos. É sobre destruir nossa confiança na Humanidade”.

A complacência do ocidente com a situação é tão bizarra que o principal líder do Hamas, grupo que governa Gaza, vive no Catar, onde fica a principal base militar norte-americana da região e que no ano passado sediou o maior evento esportivo mundial, e patrocina o principal time de futebol da França.

O conflito entre judeus e palestinos já se arrasta há mais de 70 anos, e já não há mais empatia entre os povos civis, atolados com suas próprias dores e impossibilitados de reconhecer a dor dos outros. Todos os esforços diplomáticos são necessários. Mas quando se chega neste nível de brutalidade – e quando o objetivo é dizimar a existência do outro –, fica claro que a diplomacia precisa de apoio.

A comunidade internacional, distante do conflito e da dor, deve ter empatia com os que sofrem e agir na paz da região com medidas contundentes, ao invés de continuar como mero espectador da terrível realidade.

A situação precisa ser abordada de acordo com o direito internacional. Não há outra forma de se conseguir paz, se não houver um movimento global de intervenção que misture: ocupação territorial por um organismo internacional; legitimação dos setores moderados de ambos os lados para diálogos; investimento em infraestrutura para melhorar as condições de vida e possibilitar a prosperidade dos civis; incentivo à livre migração com abertura de fronteiras; transformação da região em polo multicultural, com convivência religiosa pacífica, governada por um comitê internacional; desmilitarização de toda região; e forte investimento para educar novas gerações de pessoas com pensamentos menos belicosos.

Este desdém à região é ainda mais estranho quando se leva em consideração que o islamismo será a maior religião do mundo já em 2070, segundo estudo divulgado pela Pew Research Center, de Washington. Este mesmo estudo diz que a população muçulmana na Europa deve triplicar até 2050, principalmente em países como Alemanha e Suécia. Nem todo árabe é muçulmano e nem todo muçulmano é árabe, mas com esta taxa de crescimento é inegável sua futura influência no ocidente.

Sempre fui descrente de que pudesse haver movimento global num sentido único. A covid me mostrou que estava errado. O mundo parou por anos. Quando há real interesse na solução de situações extremas, o lado humano aflora e a nossa necessidade de sobrevivência nos torna mais ativos. Sempre haverá células discordantes, como os negacionistas na covid, mas a humanidade venceu e tem tudo para também vencer esta causa.

As lideranças internacionais precisam entender que este conflito afeta o mundo de diferentes formas, quer seja em declínio econômico, atentados terroristas nas principais capitais mundiais, ou na radicalização de discursos que geram conflitos cada vez mais violentos. A solução passa pelo reconhecimento de que este conflito é de todos e está nas ações efetivas que tragam paz à região, sob pena de perdermos nossa humanidade.

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Maurício Ferro

O que o futebol, vinhos, direito, política e economia têm em comum? Muito mais do que você imagina. E ao contrário do que prega o ditado popular, podem e devem ser debatidos e analisados sim. Sejam bem-vindos ao site de Maurício Ferro, um canal para se criar e trocar pensamentos e opiniões. Maurício Ferro é advogado, formado pela PUC do Rio de Janeiro, com mestrado e especializações realizadas em universidades como a London School e University of London. Cursou OPM na Harvard Business School. Autor de trabalhos publicados nas áreas comercial e de mercado de capitais, e com atuação no Conselho de Administração de grandes empresas, fundamentou sua carreira jurídica e executiva com foco do Direito Empresarial. Mas sua paixão vai além do mundo corporativo. Flamenguista apaixonado, Mauricio conhece os meandros do mundo profissional do futebol e de outros esportes. É sócio em empresas inovadoras como a 2Blive, uma startup global focada em soluções tecnológicas para suprir a carência no ensino, especialmente em áreas de grande necessidade como a África. Investe ainda na empresa Flow Kana, sediada na California, e voltada para a produção científica da Canabis para diversos fins, como medicinal, produção de roupas ou uso recreativo. A todos esses ingredientes, adicione ainda um profundo conhecimento sobre vinhos e os caminhos deliciosos da enologia. Essa é a receita do que vocês encontrarão por aqui.

2 Comments

  • Um texto verdadeiro provocativo e real. De fato, enquanto a diplomacia morar nos castelos longe do muros e não vier aos territorios em conflito, às fronteiras onde a civilidade foi posta de lado, teremos um mundo apático a dor e ao sofrimento do outro.
    Já dizia o Salomão o QOÈLET: ” Atentei para toda as obras que se fazem debaixo do sol, e eis que tudo era vaidade (Eclesiastes 2:14).
    A vaidade é a mão mais poderosa que move as guerras, que dizima seres humanos e escancara uma verdade cruel de que não evoluimos ao ponto de deixar de lado nossas formalidades e interesses escusos construindo um caminho que leva a paz ou pelo menos a porta de entrada para ela.

  • Texto corajoso e realista. Sim, estamos de fato perdendo nossa humanidade. O escritor citado na abertura desta publicação, Elie Wiesel, em seu livro Noite, descreve os horrores de um campo de concentração, morte a céu aberto. A busca por solução do conflito Israel e Palestina, nos mostra que a humanidade se esvaiu da terra, como diz o Salomão, o pregador – Qohélet: ” Vi todas as obras que se fazem debaixo do sol, e eis que tudo é vaidade e correr atrás do vento. Aquilo que é torto não poder ser endireitado; e o que falta não pode ser contado”. (Eclesiastes 1:14-15).

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