Burrice deveria pagar imposto
“Há tantos burros mandando em homens de inteligência que às vezes fico pensando que a burrice é uma ciência.”
Antônio Aleixo
Em tempos de reforma tributária, onde se busca ser criativo para aumentar a arrecadação e melhorar o equilíbrio fiscal, o governo tem feito peripécias para raspar o tacho e arrecadar mais. Desengavetou projeto de simplificação tributária, interferiu no equilíbrio do CARF e lançou uma cruzada para tributar os ricos. Esta agenda de caça ao tesouro poderia ser incrementada com mais criatividade. Sugiro tributar a burrice.
A depender da alíquota aplicada e pensando no número de azêmolas que temos no mundo, estimo uma receita adicional de bilhões de reais aos cofres públicos. Aliás, isto me faz adaptar a famosa frase de Abraham Lincoln: “Deus deve amar os homens burros (medíocres, no original). Fez vários deles”.
Não me refiro aos ignorantes, os sem educação, ou àqueles que têm algum retardamento ou condição especial. Estes são vítimas de uma política que não privilegia a educação de base e deixa à sorte as pessoas menos abonadas para buscarem educação mínima.
Refiro-me à burrice clássica, que nas palavras do historiador e economista italiano Carlo Cipolla “é aquela que causa algum dano a outra pessoa ou a um grupo de pessoas, sem obter nenhuma vantagem para si, ou até mesmo se prejudicando”.
A burrice tem a inseparável característica de se traduzir em ações e por isso se torna perigosa. Até mesmo as pessoas inteligentes tendem a desprezar os riscos inerentes à burrice. Ela é mais perigosa, por exemplo, que a crueldade, pois esta tem uma lógica compreensível, pode ser enfrentada. Nas palavras de Nelson Rodrigues, “que fazer contra a burrice? Desconfio que não há reação possível”.
O novo imposto é democrático, porque atinge ricos, pobres, homens, mulheres, assexuais, transexuais e toda a cadeia LGBTQI+, independentemente de raça ou do credo.
E para definir a elemento de incidência do novo imposto sobre a burrice, veremos presentes as seguintes características:
1) A burrice é recorrente: o burro costuma repetir várias vezes o mesmo erro. Não reconhece os próprios limites, fica inerte em suas convicções e não muda. O psicólogo italiano Luigi Anolli costuma dizer que “no âmbito clínico, a burrice é a pior doença, por ser incurável”. O burro repete a burrice por não entender o estrago que fez e, portanto, não consegue se corrigir;
2) A burrice é transmissível: as multidões são mais burras que as pessoas isoladas. Isto explica por que populações inteiras podem ser facilmente condicionadas a perseguir objetivos insanos, um fenômeno comumente conhecido na psicologia, pois o contágio emotivo do grupo diminui a capacidade crítica. Segundo Anolli, “percebe-se a polarização da tomada de decisão”;
3) A burrice normalmente está numa posição de comando: “o poder emburrece”, afirma o filósofo alemão Friedrich Nietzsche. Para o filósofo, as pessoas se acham melhores, mais capazes, mais inteligentes que as outras quando estão no poder e comumente se cercam de bajuladores e aproveitadores que reforçam esta ilusão.
Todos temos um fator de burrice maior do que imaginamos, e por isso o imposto alcança larga faixa de contribuintes. Ela leva, por exemplo, um Presidente da República a ignorar estudos científicos, pois não coincidem com seu ponto de vista; o rei Luís XVI, no dia 14 de julho de 1789, (data da queda da Bastilha, evento que deu início à Revolução Francesa) a escrever em seu diário: “Hoje, nada de novo”; ou Napoleão Bonaparte a atacar a Rússia em pleno inverno de 1812; ou até mesmo à masturbação coletiva de alunos de medicina de renomada faculdade brasileira.
Estudos científicos concluem que é possível descobrir que somos um pouco burros, mas o cérebro funciona de forma a nos esconder essa realidade. Estatísticas apontam que 50% dos motoristas não sabem dirigir, mas estes não têm consciência disso, senão usariam o transporte público e aumentariam sua possibilidade de sobrevivência. No entanto, 80% das pessoas internadas nos hospitais por acidente de carro acreditam pertencer à elite dos motoristas. O mesmo exemplo pode ser aplicado ao helicóptero, ao universo do trabalho, ao campo de futebol, e assim por diante. Não à toa os técnicos dos times de futebol são constantemente “agraciados” com o adjetivo de burro por não enxergar o que 70 mil pessoas estão vendo claramente.
O ponto a ser contornado nesta nova tributação é que, ao reconhecer ser devedor do imposto, automaticamente reconhecemos o ato burro, e nosso ego e nossa autoestima não aceitam facilmente este hóspede indesejado. Assim, para evitar esta evasão fiscal, o imposto incidiria sob a rubrica de “imposto sobre a loucura”, pois é sabido que temos mais facilidade de nos autointitularmos loucos, mas burros jamais.
A burrice tem um lado positivo porque nos permite errar, e na experiência do erro há sempre um progresso de conhecimento. Assim, o ponto-chave para anular a burrice está em reconhecer os próprios erros e se corrigir. Mas, pagar um imposto módico no ato da burrice ajudaria os cofres públicos e consequentemente a sociedade como um todo.
Este imposto tende a diminuir com o tempo. Senão, vejamos: quanto maior a burrice, maior será o imposto, e quanto maior o imposto, mais investimento em educação. Portanto, quanto maior a educação, menor a burrice futura, diminuindo a incidência do mesmo imposto. Ou, para os amantes das ciências exatas, representado na seguinte expressão matemática (onde b, significa burrice; Imp significa imposto e Edu significa educação):
b = Imp2 => Edu ... Edu > b
Desse modo, a sociedade pode tirar proveito da burrice. Nas palavras do escritor francês Paul Valéry: “Há um estúpido dentro de mim. Devo tirar partido dos seus erros”.
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Parabéns pelo texto!