Economia

Quem perde com a ameaça à autonomia do Banco Central?

Quem perde com a ameaça à autonomia do Banco Central?

Recentemente vimos o Presidente Lula fazer críticas à autonomia do Banco Central depois da última decisão do Copom (Comitê de Política Monetária), que manteve a taxa básica de juros (Taxa Selic) e sinalizou sua manutenção ao longo do ano, dado o aumento da expectativa de inflação. Foi a primeira decisão do colegiado independente sob novo governo com a diretoria escolhida pelo governo anterior, com mandato de quatro anos.

Essa crítica do Presidente Lula ao Presidente do Banco Central é lida pelo mercado como uma troca de chumbo entre ambos. O  Banco Central sinaliza preocupação com os rumos da economia e o presidente da república rebate com queixas à independência do Banco Central. Essa troca de farpas, além de desnecessária, é absolutamente inconveniente. Traz prejuízo ao País, causa insegurança e acaba penalizando o consumidor com reflexo desta instabilidade na expectativa de inflação e, com isso, no aumento dos juros. É aquela situação em que todos perdem. Perde o presidente do Banco Central, pois apesar da independência legal, haverá nos próximos meses a necessidade de troca de diretores do banco pelo fim dos respectivos mandatos. Claramente o presidente do Banco Central, neste cenário de guerrilha, não terá voz na escolha dos novos diretores e poderá ter que conviver com integrantes de posição técnica oposta a sua, para dizer o mínimo. Perde o Presidente da República, pois além de sinalizar uma postura retrograda em comparação às práticas mundiais, lembrando que nota de crédito do mercado internacional para um país leva em conta a independência do Banco Central, compra uma briga que não precisa. O Brasil não está sozinho nesta situação. O mundo inteiro está lutando contra a escalada de preços. Há poucos meses do prometido anúncio pelo Ministro Haddad de programa de ajuste fiscal, a discussão sobre independência do Banco Central não gera nenhum benefício, pelo contrário, pode passar a impressão de que o programa será pouco atraente. Percepção de risco fiscal afeta juros de mercado, que ao final do dia impacta o bolso do trabalhador. Se houver perspectiva de aumento de preços as pessoas acabam gastando mais rápido, o que aumenta a inflação e com isso sobem os juros.

Atacar a independência do BC reforça a necessidade de sua autonomia

O ataque à independência do Banco Central, paradoxalmente, só reforça a necessidade de sua independência. Em pouco tempo, já se mostrou saudável. O descasamento da política monetária com o ciclo político mitigou estragos maiores na economia no ano passado, em função da acirrada disputa eleitoral. Será que Lula acreditava que com 1 mês de governo o Copom iria baixar a taxa básica de juros, somente pela existência de um novo governo? Mas então por que esta posição agressiva do Presidente Lula?  Uns dirão que ele está arrumando um “bode expiatório” por saber que a economia não crescerá como se esperava neste ano e isso causaria muito estrago na popularidade do governo, ferramenta essencial para os embates com o Congresso Nacional. Outros dizem ser uma forma de pressionar o Banco Central, que já amenizou o tom na ata publicada, e que o ministro da Fazenda agiria em oposição combinada com o Presidente Lula, no clássico bate e assopra. A  briga é com os juros elevados e não com a independência do Banco Central. Rever a lei que a aprovou geraria tanto desgaste político que se pode dizer inviável.

Não há quem discorde de que os juros estão muito altos. O Brasil tem a maior taxa de juros real do mundo. Já é hora de diminuí-la. Que os agentes de mercado gerem pânico sob a alegação da necessidade de forte ajuste fiscal é compreensível, pois estes mesmos agentes são os que se beneficiam dos juros elevados, haja vista o recente resultado do Banco Itaú.  Mas o que surpreende é a pouca ressonância da classe empresarial neste debate. Eles que são a verdadeiros agentes produtivos e são penalizados com os juros elevados, não fizeram o coro esperado com o Presidente Lula. No meio desta confusão o que deve acontecer já na próxima reunião do Copom? Se a taxa de juros baixar, pode parecer submissão às pressões. Por outro lado, se não baixar, dará ideia de orgulho ferido do presidente do Banco Central. Qual a saída então? A renúncia do presidente do Banco Central? Se esta é a saída, a imprensa está comprando direitinho a vontade do presidente Lula, pois há mais de uma semana não se fala em outra coisa. Lula terá se mostrado um estrategista.

O governo tem sinalizado aumento de gastos e investimentos, o que é importante para o País, porque estimula a atividade econômica, que, em expansão, aumenta o consumo de bens e serviços, o emprego e a renda. Mas, ao mesmo tempo demanda um programa de contenção de déficit publico, ainda desconhecido. Daí a importância de alinhar a política de juros com a política econômica do governo, visando facilitar a aprovação do programa de ajuste fiscal no Congresso Nacional. O risco do desalinhamento é que a taxa básica de juros determinada pelo Banco Central afeta o aumento de gastos do Tesouro no serviço da sua dívida, o que impactaria num ajuste fiscal mais rígido, com dificuldade de aprovação pelo Congresso e, consequentemente, desgaste do Governo Federal e do Presidente Lula.

Critica aos juros altos é correta, mas não pode ser uma ameaça à autonomia do BC

Os juros nominais estão realmente altos (13,75%) e qualquer crítica a este número é correta. Mas daí a criticar a independência do Banco Central é outra coisa. Até porque, esta autonomia não lhe dá o direito de fazer tudo e o que quiser. O Copom tem que tomar suas decisões seguindo as metas definidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), dentre elas a meta de inflação, cuja composição atual do CMN é o Ministro da Fazenda (Fernando Haddad), Ministra do Planejamento e Orçamento (Simone Tebet) e o próprio presidente do Banco Central (Roberto Campos Neto). Assim, o Presidente da República pode concentrar suas ações no Conselho Monetário Nacional para que este defina suas metas em consonância com os objetivos econômicos do Governo Federal que, com isso, influenciará as decisões do Copom.

É cedo para traçar diagnósticos do novo governo, até porque neste primeiro mês, a preocupação legitima era com os ataques à democracia. Mas o presidente precisará de interlocutores hábeis para driblar os desgastes evitáveis. Se do ponto de vista político os ataques do Presidente Lula podem estar surgindo efeito para forçar uma negociação entre o presidente do Banco Central e o Ministro da Fazenda, não se espera que o Presidente Lula fique se desgastando o tempo todo para viabilizar suas políticas de governo. Afinal de contas, ele montou um ministério com muitas cabeças políticas que deveriam apoiá-lo publicamente nesta cruzada contra os juros altos. A turbulência gera ganhadores e perdedores, mas a sociedade certamente não estará entre os beneficiados de um presidente confrontativo.  Vale lembrar o mantra de campanha do próprio Lula “credibilidade, previsibilidade e estabilidade”.

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Maurício Ferro

O que o futebol, vinhos, direito, política e economia têm em comum? Muito mais do que você imagina. E ao contrário do que prega o ditado popular, podem e devem ser debatidos e analisados sim. Sejam bem-vindos ao site de Maurício Ferro, um canal para se criar e trocar pensamentos e opiniões. Maurício Ferro é advogado, formado pela PUC do Rio de Janeiro, com mestrado e especializações realizadas em universidades como a London School e University of London. Cursou OPM na Harvard Business School. Autor de trabalhos publicados nas áreas comercial e de mercado de capitais, e com atuação no Conselho de Administração de grandes empresas, fundamentou sua carreira jurídica e executiva com foco do Direito Empresarial. Mas sua paixão vai além do mundo corporativo. Flamenguista apaixonado, Mauricio conhece os meandros do mundo profissional do futebol e de outros esportes. É sócio em empresas inovadoras como a 2Blive, uma startup global focada em soluções tecnológicas para suprir a carência no ensino, especialmente em áreas de grande necessidade como a África. Investe ainda na empresa Flow Kana, sediada na California, e voltada para a produção científica da Canabis para diversos fins, como medicinal, produção de roupas ou uso recreativo. A todos esses ingredientes, adicione ainda um profundo conhecimento sobre vinhos e os caminhos deliciosos da enologia. Essa é a receita do que vocês encontrarão por aqui.

1 Comment

  • Prezado Maurício, parabéns pela iniciativa do blog. Excelentes e diversificados assuntos, visual bem limpo do site, e muito bom conteúdo. Certeza de sucesso! Forte abraço!

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