O que as eleições na Argentina nos ensinam
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“O poder não é um fim, mas um meio para governar bem.“
Sócrates
Findas as eleições presidenciais na Argentina no último domingo, a vitória de Javier Milei sobre Sergio Massa ratifica um padrão que vem se consolidando em eleições presidenciais nos países democráticos: o mal do presente tem superado promessas do futuro, e a máquina governamental vem perdendo importância nas eleições.
Se tomarmos por base as eleições presidenciais nas Américas nos últimos anos, perceberemos um declínio na manutenção do poder por longo período. Outrora o maior trunfo político, a máquina governamental não está sendo suficiente para vencer eleições. O fenômeno das redes sociais, aliado ao sentimento de insatisfação social e econômica no momento das eleições, está superando os benefícios políticos da máquina governamental.
Milei, que se define como libertário, superou duas forças que governaram o país nas últimas duas décadas: o macrismo e a coalizão peronista-kichnerista. Fez uma campanha impensável para os moldes tradicionais. Parecendo um fanfarrão desequilibrado, vestido de super-herói, fez uma campanha que se poderia dizer voltada para o público infantil. Com ideias esdrúxulas como dinamitar o Banco Central, adotar o dólar norte-americano como moeda padrão, legalizar a venda de órgãos humanos e revisar as indenizações da ditadura militar num país em que existe um consenso social, acadêmico e judicial em relação ao que foi o terrorismo de Estado e os crimes contra a humanidade, parecia impossível sua vitória.
No entanto, esta vitória de Milei destaca a crescente demanda por mudanças e por figuras políticas não tradicionais, que apontam para o desejo dos eleitores por lideranças mais próximas das preocupações e necessidades da população e profundas transformações. Usam a raiva, a sensação das pessoas de que cada vez vivem pior para estabelecer o discurso da mudança. No caso da Argentina, a percepção de que há uma casta política cada vez mais rica, enquanto o povo está cada vez mais pobre catapultou a vitória de Milei.
Se compararmos com a vitória de Bolsonaro em 2018, teremos alguns paralelos interessantes. Ambos se elegeram na qualidade de candidatos outsiders que se apresentavam como agentes de mudança, prometendo quebrar com o sistema político vigente. Eles atraíram eleitores insatisfeitos, usando discursos nacionalistas e propostas de mudanças profundas e radicais e com farto uso das redes sociais. Personagens pitorescos que funcionam para um eleitor menos politizado e menos engajado, e que não foi detectado pelas pesquisas e pelo universo político.
Tanto Milei quanto Bolsonaro eram candidatos frágeis de conteúdo e profissionalismo, incapazes de gerir uma padaria. Esta fragilidade, no entanto, foi usada em benefício de ambos. Bolsonaro no episódio da facada que quase gerou sua morte e Milei pelo vergonhoso papel no embate eleitoral. Ambos ganharam a compaixão dos eleitores.
A América do Sul está dividida entre direita e esquerda, com leve predominância da esquerda, tendo o Brasil, Chile, Bolívia, Colômbia, Venezuela, Guiana e Suriname como representantes. A direita vem crescendo com vitórias na Argentina, Equador, Paraguai, Peru e Uruguai. O que chama a atenção é a constante alternância de poder.
Se analisarmos o período eleitoral de 2019 a 2023, encontraremos uma vasta mudança de posicionamentos políticos na região. Na Argentina, a troca de Alberto Fernandez (esquerda) por Javier Milei (ultradireita); no Brasil, de Jair Bolsonaro (radical de direita) por Lula (esquerda); no Chile, Sebastian Piñera (direita) por Gabriel Boric (esquerda); na Colômbia, Ivan Duque (direita) por Gustavo Petro (esquerda); no Equador, Lenín Moreno (esquerda) por Daniel Noboa (direita); na Bolívia, de Jeanine Añez (direita) por Luis Acre (esquerda); no Peru, Martin Vizcarra (direita) por Dina Boluarte (esquerda); no Uruguai, Tabaré Vázquez (esquerda) por Lacale Pou (direita). Exceções de Paraguai, Suriname, Guiana e Venezuela, que mantiveram as ideologias políticas.
Nos Estados Unidos, Donald Trump surpreendeu em 2016 e ganhou as eleições presidenciais. Foi sucedido por Joel Biden nas eleições de 2020 e agora é apontado como favorito para as eleições de 2024.
Cientistas políticos atribuem esta alternância de poder ao fenômeno das redes sociais.
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De fato, as redes sociais se tornaram um importante veículo de comunicação eleitoral. Os memes são a ponta de lança para atingir um eleitorado mais jovem e menos politizado. A disputa por espaço nas redes sociais se dá com cards, posts, entretenimento e humor. São formas de engajar os desinteressados em ler textos longos ou com conteúdo. Porém, o principal fator que comanda uma eleição presidencial continua sendo a percepção popular quanto à sua qualidade de vida.
Assim, o vencedor de uma eleição precisa identificar adequadamente os apelos populares. Um bom governo molda a sociedade, mas só um governo visto e percebido como gerador de efetiva melhoria na condição de vida das pessoas é capaz de se manter no poder. Apesar da figura espalhafatosa do presidente eleito, não há motivos para a Argentina chorar. O discurso de campanha é mera ilusão. Além do mais, a Argentina tem o Messi.