Comportamento Política

O inútil significado de Esquerda ou Direita

O inútil significado de Esquerda ou Direita

O mundo de hoje se encontra polarizado, com manifestações raivosas nas redes sociais de alcance global, por conta de posições políticas que se dividem em dois lados: a esquerda e a direita. Definir um posicionamento político apenas por um conceito tão genérico é uma armadilha repleta de clichês, que não reflete a complexidade e as contradições da sociedade atual. Mas, afinal de contas, o que significam estas diferenças para alguém ser rotulado de “direita” ou de “esquerda”?

A distinção foi criada à época das assembleias nacionais na França, pré-Revolução Francesa, segundo o qual a direita seria contra mudanças sociais, ligados a um comportamento tradicional que buscava manter o poder da elite francesa e a esquerda a favor das mudanças sociais na defesa dos trabalhadores e da população mais pobre.

Esta dualidade conceitual atualmente não faz o menor sentido. Mas, fato é, que a maneira como nos situamos em relação a um elenco de temas faz com que sejamos classificados “de direita”, ou “de esquerda”. Isto acaba induzindo as pessoas a se inclinarem para um certo posicionamento, em função de uma classificação que lhe foi imposta e que tenderá a influenciar seus pensamentos em outras áreas. É como se as pessoas precisassem comprar o pacote inteiro. Ou seja, se sou favorável ao porte de armas, tenho que ser favorável à pena de morte, contra a liberação de drogas e contra o aborto. Isto, por definição estereotipada, me torna um pensador político de direita. E, já que sou de direita, necessariamente me apego numa agenda econômica liberal. Mas, por outro lado, se sou de esquerda, divirjo de todos os temas de costume acima e na agenda econômica sou comunista, ou defensor de uma forte intervenção do Estado. Percebam que estes preceitos não fazem muito sentido juntos, a não ser sob a lógica de um conceito pré-definido, que tende a induzir o individuo num pensamento cartesiano de causa e efeito e com isso influenciar suas atitudes em outros temas.

Reduzir o conceito a uma só palavra é banalizar o entendimento

Assim, reduzir uma ilíada de situações e posições conceituais a uma só palavra é uma idiotice. Jornalistas gostam de reduzir uma ideologia inteira em apenas uma palavra por falta de objetividade jornalística (veja mais no artigo “Objetividade do Jornalismo” https://www.mauricioferro.com.br/jornalismo-e-a-perda-da-objetividade/ ). Mas, juntamente com este reducionismo conceitual vão embora as nuances que formam a política cotidiana. Como classificar numa só palavra uma pessoa que defende o uso de drogas, apoia a posse de armas, condena o aborto, e apoia o casamento de pessoas do mesmo sexo?

São Tomás de Aquino desencorajou o rei Luis IX da França (que junto com Robert de Sorbon, fundou em 1257 a universidade de Sorbonne), a proibir a prostituição, pois aquela interferência brusca num costume milenar iria causar mais problemas do que soluções. Isto torna Tomás de Aquino de direita, ou de esquerda?

Claro que o ideal é abandonar a noção de esquerda, ou direita e aprofundar no mérito de cada tema em função da sua adequação no espaço e tempo em que se situa na sociedade. O que realmente importa é o apego a nossa honestidade intelectual.

Então, por que, ainda nos dias de hoje, rotulamos os indivíduos? A explicação parece vir das estratégias de propaganda política de influência em grandes massas. Nossos cérebros clamam por classificação predefinidas que permitem identificar facilmente quem consideramos aliados e quem são nossos adversários e isso, quando oportuno, é utilizado para movimentar multidões, pois facilita que definamos pessoas pelo conceito genérico.

Desse modo, se o que se privilegia é a sacralidade da vida deve-se ser contrário a temas como liberação de drogas, aborto, pena de morte, transgênicos, eutanásia. Mas, se o que se defende é a autonomia individual, então naturalmente se aprovariam a existência de tais ações.

Cientistas políticos tecem fortes críticas ao termo esquerda-direita, afirmando que perderam seu significado no mundo moderno. Para o cientista político italiano Giovanni Sartori, em seu livro Partidos e Sistema Partidário, estes termos são caixas vazias, cujo conteúdo pode ser descarregado com o passar do tempo. O pensador italiano Norberto Bobbio, no seu livro Direita e Esquerda – razões e significados de uma distinção política, afirma que depois da dissolução da União Soviética (1991), surgiram linhas que apontavam para o fim da dicotomia direita-esquerda e a perda de influência desta polaridade. Bobbio nos faz refletir ao questionar se: “direita e esquerda ainda existem? E se existem ainda, e estão em campo, pode-se dizer que perderam completamente o significado? E se ainda tem significado, qual é ele?”

O termo direita-esquerda, contudo, não desapareceu, ele continua sendo usado como marcador político e ganhou complexidade e maior abrangência. Já se fala em radical de direita-esquerda e ultradireita-esquerda. Mas, atualmente seu significado é irrelevante no aspecto conceitual de um pensamento político.

Não obstante, continua sendo usado como instrumento fomentador de maior divergência numa sociedade conectada por apetrechos eletrônicos desalmados, que dão sustentação às manifestações polarizadas de ódio. Estas pessoas acabam sendo facilmente manipuladas por conceitos genéricos que as coloque num campo onde existam, somente, a dualidade canhestra de aliados e inimigos.

About Author

Maurício Ferro

O que o futebol, vinhos, direito, política e economia têm em comum? Muito mais do que você imagina. E ao contrário do que prega o ditado popular, podem e devem ser debatidos e analisados sim. Sejam bem-vindos ao site de Maurício Ferro, um canal para se criar e trocar pensamentos e opiniões. Maurício Ferro é advogado, formado pela PUC do Rio de Janeiro, com mestrado e especializações realizadas em universidades como a London School e University of London. Cursou OPM na Harvard Business School. Autor de trabalhos publicados nas áreas comercial e de mercado de capitais, e com atuação no Conselho de Administração de grandes empresas, fundamentou sua carreira jurídica e executiva com foco do Direito Empresarial. Mas sua paixão vai além do mundo corporativo. Flamenguista apaixonado, Mauricio conhece os meandros do mundo profissional do futebol e de outros esportes. É sócio em empresas inovadoras como a 2Blive, uma startup global focada em soluções tecnológicas para suprir a carência no ensino, especialmente em áreas de grande necessidade como a África. Investe ainda na empresa Flow Kana, sediada na California, e voltada para a produção científica da Canabis para diversos fins, como medicinal, produção de roupas ou uso recreativo. A todos esses ingredientes, adicione ainda um profundo conhecimento sobre vinhos e os caminhos deliciosos da enologia. Essa é a receita do que vocês encontrarão por aqui.

1 Comment

  • Texto bem escrito e esclarecedor.

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *