Economia

O impacto dos juros no crédito e as consequências para as empresas

O impacto dos juros no crédito e as consequências para as empresas

Enquanto se prolonga a expectativa em torno do pacote fiscal a ser aprovado pelo Congresso Nacional, a alta taxa de juros por um longo período já afeta o volume de dinheiro em circulação e espalha as sombras de uma crise de crédito na economia, gerando perdas nas empresas de modo sequencial. Vale lembrar que mesmo que a taxa de juros comece a cair em maio, estima-se que o impacto dos novos juros no crédito demore por volta de nove meses.

Já há um alerta vermelho sobre a crescente dificuldade das empresas rolarem suas dívidas e financiarem suas atividades. Os bancos já começaram a rever suas posições tomadas nas empresas e a solicitar garantias adicionais aos novos empréstimos.

As dificuldades na área de crédito já causam preocupação pelo lado da demanda, da busca de dinheiro financiado pelas empresas. Porém, depois do estouro do caso das Americanas, os temores se alastraram para o lado da oferta de financiamentos. É que muitos bancos eram credores das Americanas e de outras empresas que enfrentam dificuldades para saldar suas dívidas. Os bancos passam a ter que fazer provisões para devedores duvidosos, impactando seus balanços, com lucros menores e com isso, se tornam mais refratários na concessão de crédito.

Atualmente ocorre o que se chama de risco de contração do mercado de crédito, pois a desaceleração da atividade econômica e o aperto monetário são fatores a conter a demanda por crédito. Nestes momentos de crise de crédito ocorre o que o Ministro Delfim Neto costuma dizer por afogamento coletivo por excesso de liquidez. Os bancos e financiadores param de emprestar e buscam maior liquidez do crédito. As empresas paralisam investimentos, pela ausência de crédito, e buscam a sobrevivência aumentando liquidez de suas receitas. O trabalhador, com receio de perda de emprego, para de comprar para proteger e preservar liquidez dos seus recursos. O investidor, torna-se mais conservador e aumenta sua liquidez. Moral da estória, afogamento coletivo por excesso de liquidez do mercado. Assim, um potencial efeito sequencial de quebra das empresas poderá deteriorar o mercado de crédito pelo lado da oferta.

Já são muitos os casos de empresas com problemas para honrar suas dívidas. A Oi , com divida de R$ 29,75 bilhões, junto a 14 bancos; Lojas Marisa com dívida de R$ 550 milhões, implementou uma mudança impactante na sua administração; a Via (Casas Bahia), outra varejista em renegociação de dívida, com R$ 3 bilhões em dividas de curto prazo; a Light, a distribuidora de energia do Rio de janeiro, já contratou escritório de advocacia especializado em recuperação judicial; a Azul teve sua classificação de risco rebaixada pela Fitch, diante da dificuldade de rolar a divida; a Gol já anunciou um plano de refinanciamento de dividas que foi considerado pela Standard&Poors como similar a um calote parcial; e a Cervejaria Petrópolis acaba de anunciar sua recuperação judicial, com dividas em valores superiores a R$ 4 bilhões de reais.

Consultorias já preveem queda no volume de crédito de 2,8% em relação aos números anteriores e os analistas são unanimeis em ressaltar que uma crise de crédito, se não for contornada, poderá derrubar as projeções de melhora da economia, levando a fechar o ano em recessão.

Some-se a isso a crise bancária internacional, com a quebra do Silicon Valley Bank (SVB) nos Estados unidos e do Credit Suisse. Estes dois casos são um indício de que rachaduras do sistema financeiro global estão aumentando e que estes sinais iniciais terão efeitos indiretos no mundo dos empreendimentos. Como em um efeito dominó, a medida contracionista impacta diretamente a relação dívida/crédito. As empresas, principalmente em certos setores, não conseguem sobreviver com taxas de juros tão altas e concomitantemente com fim da concessão de crédito fácil.

Como estamos num estágio inicial da fase de contração deste ciclo e a quantidade de empresas alavancadas é grande, é provável que a quebra destes bancos e das empresas seja seguida por outros problemas em escala ainda maior. Ou seja, haverá vendas forçadas de ativos a preços muito baixos – o que deve afetar ainda mais a concessão de crédito -; diluição de capital; movimento de fusão e aquisição; impacto negativos para os mercados e para a economia, e eventualmente, a flexibilização dos reguladores bancários para evitar que o problema se torne uma ameaça ao sistema financeiro.

Com este cenário e o Banco Central Brasileiro agindo de forma autista e descontextualizada dos fatos, a pergunta que fica é: a que custo a taxa de juros tão alta está sendo mantida? Há um alto risco de que as consequências da crise bancária no exterior se deteriorem, forçando o FED (banco central americano) a aumentar a taxa real de juros americanos a níveis muito altos. Consequentemente, aumenta a dificuldade de investimentos no Brasil e de redução da taxa de juros local. Isto fará com que este ciclo de impacto negativo na tomada de crédito das empresas se autoalimente, levando mais empresas a paralisarem investimentos e geração de emprego.

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Maurício Ferro

O que o futebol, vinhos, direito, política e economia têm em comum? Muito mais do que você imagina. E ao contrário do que prega o ditado popular, podem e devem ser debatidos e analisados sim. Sejam bem-vindos ao site de Maurício Ferro, um canal para se criar e trocar pensamentos e opiniões. Maurício Ferro é advogado, formado pela PUC do Rio de Janeiro, com mestrado e especializações realizadas em universidades como a London School e University of London. Cursou OPM na Harvard Business School. Autor de trabalhos publicados nas áreas comercial e de mercado de capitais, e com atuação no Conselho de Administração de grandes empresas, fundamentou sua carreira jurídica e executiva com foco do Direito Empresarial. Mas sua paixão vai além do mundo corporativo. Flamenguista apaixonado, Mauricio conhece os meandros do mundo profissional do futebol e de outros esportes. É sócio em empresas inovadoras como a 2Blive, uma startup global focada em soluções tecnológicas para suprir a carência no ensino, especialmente em áreas de grande necessidade como a África. Investe ainda na empresa Flow Kana, sediada na California, e voltada para a produção científica da Canabis para diversos fins, como medicinal, produção de roupas ou uso recreativo. A todos esses ingredientes, adicione ainda um profundo conhecimento sobre vinhos e os caminhos deliciosos da enologia. Essa é a receita do que vocês encontrarão por aqui.

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