O que está por trás da decisão de Lula de não se ater à lista tríplice para a PGR
Presidente Lula anunciou que não se aterá a lista tríplice para escolha do procurador geral da República (PGR), cujo mandato se encerra em setembro de 2023. Aos menos atentos, pode parecer que o presidente estaria sendo casuísta e repetirá o ocorrido em outros casos, em que o procurador geral teria agido em “benefício” do presidente da República em exercício. Alega-se, ainda, que o próprio Lula teria escolhido integrantes da lista triplica para procurador geral da República nos seus dois mandatos anteriores. Lula, então, estaria sendo contraditório?
Já adianto que não. O estrago causado pela gestão de Rodrigo Janot a frente da procuradoria geral da República, ainda repercute nos corredores dos tribunais. É inegável que a condução tenebrosa do Janot destruiu a prática do uso da lista tríplice. Janot, usou da prerrogativa do seu cargo para iniciar uma caçada desenfreada a classe política e empresarial do país e, dada a enorme repercussão da imprensa, migrou para uma agenda de autopromoção e visibilidade publica, incompatíveis com a liturgia do seu cargo e dos cuidados necessários no ajuizamento ações judiciais, que o fez como veículo de promoção própria. Vale lembrar que ele mesmo confessou ter entrado armado nas dependências do Supremo Tribunal Federal para dar um tiro em um dos ministros da corte e chegou a orientar um empresário para grampear o presidente da República em exercício, o que define bem sua incapacidade para o cargo. Janot foi escolhido e reconduzido como integrante da lista tríplice. O próprio presidente Bolsonaro, maior beneficiário das lambanças do Janot a frente da PGR, passou longe da lista tríplice nas duas oportunidades que teve para escolher o procurador geral da República.
A verdade é que a gestão Janot destruiu a reputação da lista tríplice e os áulicos das associações de procuradores nada fizeram para conter as desastrosas ações do então procurador geral. Pelo contrário, emitiam notas de apoio ao procurador. Passada a tempestade, percebe-se claramente o erro da escolha vinculada à tal lista.
A lista tríplice não é um requisito constante na lei. Pelo contrário, a Constituição Federal de 1988 determina no artigo 128, parágrafo 1 que a prerrogativa de escolha do procurador geral é exclusiva do presidente da República, cujos únicos requisitos são ser integrante de carreira e maior de 35 anos de idade, após a aprovação do seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, para mandato de 2 anos, permitida a recondução. A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), criou a prática e coordena a eleição da lista tríplice para propor os nomes ao presidente da República e sustenta que esta é a forma mais democrática de escolha da liderança máxima do ministério público federal. A não ser que seja estabelecida por eleição direta da sociedade, esta lista sempre representará os interesses corporativos de seus membros e não necessariamente no interesse da sociedade. Alegar que o cargo representa o Estado e não o governo, e que, portanto, o presidente deveria necessariamente se limitar a lista tríplice não se sustenta, pois o presidente da República é que foi eleito por voto popular para representar o Estado. A ANPR representa interesses corporativos e estes não podem se sobrepor aos interesses do Estado. Sob este argumento, então, os chefes das forças armadas deveriam ser nomeados por lista tríplice coordenada pelas altas patentes das forças armadas. já imaginou neste período delicado de ameaças à democracia e ao Estado de Direito se as forças armadas fossem soberanas ao eleito por voto popular?
Fato é que a solução já é dada pela própria Constituição Federal de 1988. Como nos relembra o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Ministro Ayres de Brito, a solução sempre está na Constituição Federal. Basta lê-la. O artigo 128 da Constituição Federal, acima mencionado, submente a indicação do escolhido pelo presidente da República à aprovação por maioria dos membros do Senado Federal. Portanto, a indicação passa por um escrutínio político de um outro Poder para sua efetivação, criando o equilíbrio necessário para evitar indicações nefastas pelo presidente da República. Se o Senado Federal não cumpre a sua função e somente homologa o nome indicado pelo presidente da República é uma falha dos seus membros no exercício das suas funções. Mudar a Constituição Federal, ou criar mecanismo diverso para a escolha do procurador geral da Republica é reconhecer a desnecessidade da existência do Senado Federal.