A banalização da mediocridade
“Errare humanum est, perseverare autem diabolicum”
Santo Agostinho
O mundo evoluiu em vários aspectos, principalmente em tecnologia e na agenda social, ao reconhecer a necessidade de igualdade de direitos e de representatividade das minorias. Porém, parece ter involuído em outros temas. Refiro-me à aceitação da derrota, ou à “banalização” das coisas erradas, para usar uma expressão de Hanna Arendt ao descrever a atuação do criminoso nazista Adolf Eichmann, que foi levado para julgamento em Israel.
Segundo Arendt, Eichmann não era um mostro sanguinário, mas um burocrata obediente e zeloso, sem nenhuma empatia com suas vítimas. Arendt desnuda a capacidade de o Estado nazista igualar a política de extermínio dos campos de concentração ao mero cumprimento de atividade burocrática, que era como Eichmann encarava seu trabalho. Por que condenar um funcionário público dedicado, obediente, cumpridor de metas e dentro da ordem legal vigente? Obviamente, Eichman foi condenado à morte por seus crimes, a “banalidade do mal” não serviu de desculpa para sua absolvição.
Na vida, a derrota e os erros fazem parte da evolução e da formação do caráter. Mas, da mesma forma que se deve aprender com as derrotas, não se pode tolerar que se naturalizem os erros. Alguém que não se incomoda com o erro ou com a derrota, e não tira deste fato uma lição de aprimoramento, é um beócio acomodado. A humanidade evoluiu na área científica pelo inconformismo e pela resiliência de expoentes, como Isaac Newton, Galileo Galilei, para citarmos somente dois.
Cotidianamente, porém, ainda temos nos deparado com este tipo de postura passiva, burocrática e de falta de inconformismo com as injustiças e os resultados não alcançados. Aqueles meros cumpridores de metas, que mesmo sabendo o que é certo, se apegam na burocracia da instituição para evitar tomada de decisão que possa lhe render explicações no futuro. São aqueles covardes que aplicam o famoso brocado: por que fazer e ter que explicar, se basta não fazer?
Nas instituições públicas, vivemos numa época de banalização do interesse público em diversas matizes.
Este é um valor que não pode ser vulgarizado. No entanto, temos visto uma falta de apego a este conceito de forma ostensiva. Os interesses próprios e individuais estão se sobrepondo ao interesse público coletivo de forma estrutural. Há um excesso de administração em busca do poder, se esquecendo que poder não é propriedade de um indivíduo; pertence a um grupo e permanece em existência apenas enquanto o grupo se conserva unido. Sem um povo ou grupo não há poder. E onde o poder se encolhe, a violência se instala. Por isso vimos uma escalada de violência na sociedade contemporânea. O conceito de autoridade é inerente à função pública e fundamental não apenas nas relações humanas, mas imprescindível nas instituições. Conservar autoridade requer respeito pela pessoa ou pelo cargo. O maior inimigo da autoridade é o desprezo. Portanto, o ente público deve agir e não se omitir, pois a ação é a coluna central do trabalho público.
No esporte, a famosa frase, creditada a um bispo de Londres e adotada como lema pelo Barão de Coubertain, fundador dos jogos olímpicos da era moderna, de que “o importante não é vencer, mas competir” é usada como mantra para justificar a mediocridade. Atletas vencedores não se contentam com as vitórias. Buscam performance e superar resultados anteriores. Já os medíocres querem ser reconhecidos como celebridades no mundo virtual e para isso viram “pop star”, com milhões de seguidores nas redes sociais e ostentação de riqueza e prestígio. Nas vitórias, são ídolos; nas derrotas, insensíveis com os milhões de torcedores e apoiadores.
Até mesmo na iniciativa privada, epítome do dinamismo econômico, passamos a encontrar com maior frequência esta aceitação da mediocridade. Os prestadores de serviço passaram a adotar o básico como suficiente. O cliente já não é a prioridade. Há uma clara falta de resiliência para fazer o que é certo, evoluir e buscar o melhor para o cliente.
Os empresários atuais não pensam a longo prazo.
Também no universo empresarial encontramos esta diabólica aceitação da mediocridade. Pouco se pensa a longo prazo. As decisões se concentram no impacto imediato, no preço da ação em bolsa de valores ou no market share. Já não se toma o risco da conquista de novos mercados, de empreender em locais distintos, de adequar-se à cultura do local e de desenvolver novas regiões. O verdadeiro empresário é essencialmente um ser inconformado por natureza. Não se contenta em atingir metas, mas superá-las. É o verdadeiro dínamo da sociedade. Já os medíocres são aqueles que se apegam às mesmas ladainhas para justificar os maus resultados, mas sempre atribuindo a responsabilidade a terceiros como inflação, juros, governo, clima. São banais e entoadores da cultura antiempresarial.
Assim, a burocratização da vida pública, os governos com excesso de administração, o declínio dos serviços e das instituições públicas, o mundo dos negócios e o conformismo têm desconstruído as estruturas de poder, e a ação humana tem se banalizado mediocremente.
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Medíocres são os acomodados, aqueles que se contentam com pouco, com o banal.
São seres fracos, de essência frágil.
Os bons profissionais são os obstinados, os audaciosos, os ambiciosos em alcançar os melhores resultados.