Yes, nós temos vinhos. E de qualidade!
Nos anos de 2021 e 2022, o mercado brasileiro de vinho apresentou um fenômeno que impressiona: o consumo aumentou em 30% no período, mesmo com os desafios e percalços econômicos que a Pandemia impôs ao mundo. A verdade é que o aumento não é novidade, porém nunca o salto foi tão grande e acentuado. Segundo dados da IWSR Drinks Market Analysis, em 2010, 22 milhões de brasileiros declararam consumir a bebida ao menos uma vez na semana. Já em 2020, esse mesmo número saltou para 39 milhões. E o aumento do mercado consumidor favoreceu um segundo fenômeno, o crescimento expressivo da produção de excelentes vinhos brasileiros.
Vamos então a mais alguns números para ter a dimensão exata do crescimento da produção da “bebida de Baco” em solo nacional. Em 2021, a litragem de vinho produzido no País aumentou em 60% em relação a 2020, segundo dados da Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV). O volume produzido foi de 360 milhões de litros, o maior registrado no país desde 2008.
Esse fenômeno pode ter várias explicações: desde a chegada de novos empreendedores vindos de países com forte cultura produtora, quanto o acesso a novas tecnologias de fabricação. Mas um fator é o predominante para que os brasileiros passassem a valorizar e consumir mais o vinho “Made in Brazil” em substituição aos produzidos por nossos vizinhos Chile e Argentina e dos importados do “Velho Mundo”: o evidente salto de qualidade do produto.
Uma nova cultura e novos centros produtores
Durante anos, vinhos brasileiros eram em sua quase totalidade, produzidos na região Sul do Brasil, principalmente o Rio Grande do Sul. Entre muitos rótulos duvidosos, vendidos em grandes garrafões a preços baixos, começaram a surgir alguns produtos de boa qualidade. Principalmente os espumantes que foram aos poucos ganhando destaque mundial. A evolução trouxe também vinhos tintos, brancos e roses de qualidade oriundos da região.
Desde fatores climáticos à forte presença europeia na região, diversos pontos levaram a cultura vinícola a se concentrar na região. Porém, de 10 anos para cá, isso mudou. E a produção de vinho se espalhou por todo o território nacional. Primeiramente com força no interior de São Paulo e Minas Gerais. Mas hoje, já existem produções no Centro Oeste e no Nordeste do País.
A colheita de inverno abriu porta para novos produtores
O especialista Erwane Kaloudoff, em matéria publicada em 2021 no site Prazeres da Mesa, explica que a maioria dos grandes vinhos são produzidos em regiões do mundo em que as uvas amadurecem e são colhidas na época mais seca do ano, com dias ensolarados e noites frias. Dessa forma, a colheita acontece durante o verão. A videira é tradicionalmente podada em agosto, brota em setembro e floresce em outubro. Mas o clima local faz com que a colheita realizada no verão ocorra com temperaturas elevadas, amplitude térmica baixa, chuvas intensas e solos úmidos. O resultado: uvas com baixo teor de compostos fenólicos, maturação raramente bem-sucedida e sumos muito diluídos.
Porém, na região da Serra da Mantiqueira, que se estende por São Paulo e Minas Gerais, produtores locais tiveram uma ideia genial: usaram as condições climáticas de inverno da região (pouca chuva, frescor noturno) e as situações ideais para maturação e boa colheita e apostaram numa mudança no ciclo de plantio e colheita da uva. Eles começaram a fazer duas podas anuais para colher as uvas no inverno. Eureka: conseguiram uvas de altíssima qualidade, especialmente da espécie Syrah.
O resultado foi o nascimento de vinícolas que produzem vinhos que alcançaram os padrões de qualidade compatíveis com os grandes vinhos internacionais. Algumas como a Guaspari, Maria Maria, Primeira Estrada e Casa Verrone já receberam diversos prêmios internacionais. E a chegada de um produto de excelência aguçou a curiosidade dos brasileiros que passaram a não apenas aceitar como admirar os vinhos nacionais.
Acredito que esse ainda é um processo incipiente, com cerca de 10 anos de existências. As vinícolas estão se multiplicando na região e o Brasil se tornou referência na colheita de inverno. Mas a baixa produção não apenas ainda é insuficiente para atender à demanda, como também faz com que os vinhos premium da região estejam com preços bastante elevados. Claro, nem tudo é perfeito. Mas perceber que nosso País, em tão pouco tempo, está se tornando referência no mundo do vinho, e ver os consumidores brasileiros reconhecendo e apoiando essa transformação é algo que, certamente, transborda a minha taça e meu coração de alegria.