Economia Política

O Paradoxo da Abundância do Agronegócio

O Paradoxo da Abundância do Agronegócio

“Jogar comida fora é jogar pessoa fora”

Papa Francisco

O governo Lula anunciou nesta terça-feira o Plano Safra 2023/2024, no valor de mais de R$ 360 bilhões. Um dos maiores da história. O tamanho do novo plano é um aceno aos ruralistas, setor que não é simpático ao presidente Lula.  O programa prevê: taxa de juros subsidiados; mecanismos para frear flutuação de preços das commodities e taxas diferenciadas de juros com base em boas práticas ambientais. Porém, nada fala sobre desperdício alimentar.

De acordo com o Ministério da Agricultura e Pecuária, o novo Plano Safra tem como objetivo estimular a produção sustentável de alimentos e a agropecuária com baixa emissão de carbono. A maior parte do montante deve ser destinada para custeio e comercialização. Outra parcela deve ser destinada para investimentos. O programa também se destina a agricultura familiar e aos pequenos produtores. Ou seja, o governo investe fortemente em produção de alimentos, mas estes não chegam a 33,1 milhões de pessoas no País que ainda passam fome.

O agro brasileiro é sem dúvida um case mundial de sucesso tecnológico. O destaque é a elevação da produtividade rural que, por sua vez, depende de três fatores essenciais de produção: terra, mão de obra e capital – este último incluindo máquinas, equipamentos, fertilizantes e defensivos químicos. O IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) mostra que, no período de 45 anos (1975-2020), o fator mão de obra caiu a taxa de 0,42%, enquanto o fator terra teve aumento de 0,04% e o fator capital cresceu 0,84%. Ou seja, o Brasil se tornou um dos maiores produtores agropecuários do mundo por meio, principalmente, dos investimentos em produtividade. A econometria diz que a produtividade é responsável em quase 90% do crescimento da produção total naquele período e esta maior produtividade se dá graças a modernização tecnológica.

Por que então ainda existe fome no Brasil?

Desse modo, fica a pergunta: por que então milhões de pessoas ainda passam fome no País? E por que o agro ainda disputa com o meio ambiente, com o MST e com os povos indígenas a obtenção de mais terra, se a tecnologia tem se mostrado mais eficiente?

A resposta a primeira pergunta se dá basicamente pelo baixo investimento do agronegócio na diminuição do desperdício alimentar. A resposta à segunda pergunta deve ser buscada na política, pois os empresários do agronegócio são sedentos por mais terra (sendo terra = poder), e a subsídios governamentais e o governo ainda investe muito pouco na educação e preparo técnico dos pequenos produtores.

Em dezembro de 1994, a Folha publicou um caderno especial, cuja manchete é “Brasil que passa fome joga comida no lixo”. A matéria de autoria de Bruno Blecher, mostra os números vergonhosos do desperdício de alimentos da fazenda ao prato, paradoxo de um País assolado pela fome. Existem vários outros estudos e pesquisas sobre a perda de alimentos no Brasil e no mundo. Apesar dos inúmeros alertas, o desperdício cresce a cada ano.

O Brasil faz parte do top 10 dos países que mais desperdiçam comida no mundo. Segundo recente artigo do mesmo Bruno Blecher, cerca de 35% de toda a produção agrícola brasileira vai para o lixo. De acordo com a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), 1/3 dos alimentos produzidos em todo o mundo é desperdiçado. Estes alimentos desperdiçados consomem ¼ de toda água e terra usada na agricultura e ocupam uma área do tamanho da China, sendo responsável por 8% das emissões globais de gases de efeito estufa.

As 10 milhões de toneladas por ano desperdiçadas no Brasil seriam mais que suficiente para alimentar as 33,1 milhões de pessoas que não têm o que comer diariamente no país, de acordo com a Rede Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional). Segundo projeções da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), do total de desperdício alimentar no país, 10% ocorreram durante a colheita, 50% no manuseio e transporte dos alimentos, 30% nas centrais de abastecimento e 10% entre supermercados e consumidores.

No estudo “o Alimento que Jogamos Fora – Causas, Consequências e Soluções para uma prática insustentável”, realizado pela MindMiners em parceria com a Nestlé, mostra que somente 4% das empresas do ramo alimentício nunca descartaram alimentos, reaproveitando-os de maneira correta. Entre os 96% que afirmaram descartar comida, 54% afirmam realizar os descartes sempre, ou frequentemente.

Pelos cálculos do professor Rattan Lal, ganhador do premo Nobel da Paz em 2007 e do Prêmio Mundial da Agricultura em 2020, o mundo já estaria produzindo comida suficiente para alimentar 10 bilhões de pessoas (população global prevista para 2050), mas faltam ações para reduzir o desperdício de alimentos.

O desperdício alimentar é um tema que preocupa até mesmo o Papa Francisco, que em setembro de 2022 disse: “… jogar comida fora é jogar pessoa fora” e continua o Sumo Pontífice: “No mundo existe alimentos necessários para que ninguém vá dormir com fome. A questão sem dúvida, é de justiça social, ou seja, como é regulada a gestão dos recursos e a distribuição da riqueza”.  Para o Papa, toda comunidade internacional deveria se mobilizar para pôr um fim ao lamentável paradoxo da abundância.

Entender essa questão é essencial. Os agricultores têm a seu favor o desenvolvimento tecnológico, que traz ganhos de produtividade em suas lavouras. Auxiliados por políticas públicas e enormes subsídios financeiros, tiveram grandes margens e lucros em suas atividades. Portanto, se torna imperioso exigir do setor privado um forte e eficaz programa de combate ao desperdício alimentar, com fiscalização contínua, pois maior paradoxo do que este não existe no País.

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Maurício Ferro

O que o futebol, vinhos, direito, política e economia têm em comum? Muito mais do que você imagina. E ao contrário do que prega o ditado popular, podem e devem ser debatidos e analisados sim. Sejam bem-vindos ao site de Maurício Ferro, um canal para se criar e trocar pensamentos e opiniões. Maurício Ferro é advogado, formado pela PUC do Rio de Janeiro, com mestrado e especializações realizadas em universidades como a London School e University of London. Cursou OPM na Harvard Business School. Autor de trabalhos publicados nas áreas comercial e de mercado de capitais, e com atuação no Conselho de Administração de grandes empresas, fundamentou sua carreira jurídica e executiva com foco do Direito Empresarial. Mas sua paixão vai além do mundo corporativo. Flamenguista apaixonado, Mauricio conhece os meandros do mundo profissional do futebol e de outros esportes. É sócio em empresas inovadoras como a 2Blive, uma startup global focada em soluções tecnológicas para suprir a carência no ensino, especialmente em áreas de grande necessidade como a África. Investe ainda na empresa Flow Kana, sediada na California, e voltada para a produção científica da Canabis para diversos fins, como medicinal, produção de roupas ou uso recreativo. A todos esses ingredientes, adicione ainda um profundo conhecimento sobre vinhos e os caminhos deliciosos da enologia. Essa é a receita do que vocês encontrarão por aqui.

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