Política

Xadrez e Política não são meras coincidências 

Xadrez e Política não são meras coincidências 

Você pode governar sem Deus? Sem Deus eu posso, mas sem os bispos não”.

Napoleão Bonaparte

No xadrez e na política antever os movimentos futuros é a base da vitória. No xadrez, as peças que compõem o tabuleiro têm valor diferenciado pela sua maior capacidade de ataque. Na política, alguns cargos têm mais valor que outros, em função da sua influência política, ou de robusto orçamento. Por isso, sempre se espera mais destas peças de grande valor. Em ambos os casos, usa-se o sacrifício de peças como estratégia, sendo no xadrez para tomar uma peça de maior valor do oponente e na política para composições partidárias.

Política e xadrez exigem inteligência e paciência. Movem-se em função do movimento do seu adversário em busca de brechas. Atentos à estas brechas, congressistas estão sempre tentando maximizar seu capital político-eleitoral. O orçamento secreto, por exemplo, nasceu como uma forma do relator geral fazer pequenos ajustes na execução orçamentária, mas, uma vez descoberta a brecha, virou um a verdadeiro cheque em branco. É um balé de avanço e defesa, com demonstrações de poder visando o xeque-mate, ou, no caso da política, buscando maior poder para definir quem dita as regras da governabilidade.

Lula vem usando sua principal peça de ataque de forma prudente e equilibrada. O ministro da Fazenda tem dado demonstrações frequentes e importantes de capacidade cirúrgica de ataque, se articulando bem com o congresso, mas, ao mesmo tempo, não se expondo em demasia. Aos mais saudosos, lembra a estratégia de jogo do famoso Bob Fisher, o maior enxadrista norte americano que derrotou o lendário enxadrista soviético Boris Spassky, com uso surpreendente do gambito da rainha e da abertura inglesa.

As agendas internacionais – incluindo aqui a ambiental – e a econômica têm sido os principais movimentos de sucesso deste governo, mesmo com algumas trapalhadas na questão da guerra da Ucrânia e na defesa da inexistente democracia Venezuelana. Nestes dois casos, muita atenção foi dada pela imprensa a problemas de menor escala. Perderam-se piões com estes movimentos, mas nada que prejudique o jogo político.

Sacrificar peões pode ser parte da estratégia. Mas as peças de valor precisam ser preservadas.

Mesmo com estas baixas, Lula vêm sendo recebido pela comunidade internacional com muito afago e respeito.  Isso se dá não somente pelos seus méritos, que são muitos, mas também porque estas agendas no governo anterior estavam devastadas. Assim, almejar ser mediador da guerra da Ucrânia e iniciar embate comercial com o governo norte americano e com a comunidade europeia são movimentos inúteis. Mais desgastam do que agregam. Até porque, na agenda internacional já conseguiu, em pouco tempo, resgatar a imagem do País. É importante que Lula não se assemelhe a Bob Fisher, que teve sua carreira prejudicada por excesso de vaidade.

Em compensação, na linha ofensiva, Fernando Haddad conseguiu emplacar a PEC da Transição, o arcabouço fiscal e deve aprovar a reforma tributária com o apoio do governador de São Paulo se articulando bem com a oposição. Para entendermos melhor a importância desta última jogada, a reforma tributária está na agenda do Congresso há três décadas. Em duas ocasiões os governadores de São Paulo foram os principais responsáveis pelo bloqueio das reformas anteriores; Mario Covas no governo Fernando Henrique Cardoso e José Serra no governo Lula. Ou seja, Lula tomou uma torre e um bispo no xadrez político e por hora perdeu apenas dois peões. Está em clara vantagem.

Apesar da vantagem, Lula precisa ficar atento e manter a concentração no jogo político. Os Ministérios da Casa Civil, Comunicação e Relações Institucionais (as torres do governo), estão expostos e sujeitos à ataques. São peças importantíssimas no tabuleiro político, mas que estão se movimentando mal. Perdê-las transforma o jogo, pois não são peças que se usam normalmente para sacrifícios. Mas, não as utilizar adequadamente para defender o rei fragiliza o governo. Se a esta altura não estão desempenhando o que se espera, Lula deve pensar em trocá-los, mas, única e exclusivamente, por sua escolha e não por pressão dos congressistas como aconteceu na estressante aprovação da MP da reestruturação dos ministérios, quando o governo foi obrigado a sacrificar peças importantes com mudanças nas atribuições do Ministério do Meio Ambiente e no Ministério dos Povos Indígenas. O ministro do turismo já foi sacrificado em prol de uma maior aproximação com o Presidente da Câmara dos Deputados. Outros sacrifícios de peças ainda virão ainda neste primeiro ano de governo.

Agora é fundamental aproveitar o momento favorável.

No xadrez e na política joga-se com o timing perfeito. Tancredo Neves não era um grande administrador, nem estava entre os melhores oradores do Congresso Nacional, mas tinha um timing político perfeito e como consequência, ocupou quase todos os cargos políticos, menos o de Presidente da República, porque desta vez prevaleceu o timing divino.

O momento é favorável ao governo e precisa ser aproveitado. O mercado já prevê a queda dos juros em agosto, o dólar permanece em baixa e a bolsa anda otimista. Mesmo com os bons sinais o governo precisa se preparar para as batalhas que ainda virão. Necessita de apoio para que a agenda econômica não fique sendo boicotada pelo Banco Central, e mergulhar de cabeça nas articulações políticas da aprovação da reforma tributária no Senado Federal, pois é ali que acontecem os diálogos com os estados. Suas torres devem ser acionadas e desta vez agirem com competência que se espera.

O espetacular enxadrista Soviético Garry Kasparov referia-se a Bob Fisher como genial, pois ele começava a ditar as condições do jogo fora do tabuleiro e depois continuava a ditá-las nele também. Se Lula não fizer o mesmo, os congressistas tomarão as rédeas da governabilidade e ditarão as regras do jogo, tal como fizeram no governo anterior.

As semelhanças do xadrez com o jogo político não são meras coincidências. Há jogadores despreparados, sem inteligência, sem capacidade de previsão de jogadas, sem conhecimento das regras do jogo e sem história política. Eles são meros peões que, arrogantemente, se arvoram em líderes políticos e, ao se esquecerem de seu baixo valor, tentam virar reis. Sergio Moro é um exemplo claro. Porém, nunca passarão de meros peões, porque esta é a lei do xadrez da política.

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Maurício Ferro

O que o futebol, vinhos, direito, política e economia têm em comum? Muito mais do que você imagina. E ao contrário do que prega o ditado popular, podem e devem ser debatidos e analisados sim. Sejam bem-vindos ao site de Maurício Ferro, um canal para se criar e trocar pensamentos e opiniões. Maurício Ferro é advogado, formado pela PUC do Rio de Janeiro, com mestrado e especializações realizadas em universidades como a London School e University of London. Cursou OPM na Harvard Business School. Autor de trabalhos publicados nas áreas comercial e de mercado de capitais, e com atuação no Conselho de Administração de grandes empresas, fundamentou sua carreira jurídica e executiva com foco do Direito Empresarial. Mas sua paixão vai além do mundo corporativo. Flamenguista apaixonado, Mauricio conhece os meandros do mundo profissional do futebol e de outros esportes. É sócio em empresas inovadoras como a 2Blive, uma startup global focada em soluções tecnológicas para suprir a carência no ensino, especialmente em áreas de grande necessidade como a África. Investe ainda na empresa Flow Kana, sediada na California, e voltada para a produção científica da Canabis para diversos fins, como medicinal, produção de roupas ou uso recreativo. A todos esses ingredientes, adicione ainda um profundo conhecimento sobre vinhos e os caminhos deliciosos da enologia. Essa é a receita do que vocês encontrarão por aqui.

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