As constantes cenas de imigrantes tentando entrar na Europa e sendo repelidos com violência são sempre muito impactantes. A maior parte dos migrantes chega à Europa de forma clandestina por meio de navegação em botes no mar mediterrâneo, o que causa diversas mortes por afogamento. Estima-se que mais de 2,5 mil pessoas se afogam por ano ao realizar a travessia. Fica mais difícil entender, se considerarmos que os argumentos utilizados pelos países ricos para dificultar a entrada de imigrantes é a percepção disseminada de que os estrangeiros roubam empregos e exploram a seguridade social. Há estudos que não amparam esta impressão. Pelo contrário, os países que adotam políticas sérias de abrigo de imigrantes tendem a ganhar com isso.
O economista Bryan Caplan e o filósofo William MacAskill, sustentam que uma das medidas que beneficiariam bilhões de pessoas seria abrir as fronteiras em larga escala. A economia mundial ganharia muito com a mobilidade de mão de obra. Algumas estimativas chegam a 50% do PIB mundial. Cálculos mais conservadores põem o benefício na escala de trilhões de dólares por ano.
A questão acaba se resumindo a aspectos circunstanciais e pouco estruturais. Conforme a Europa atravesse crises econômicas, os países europeus tendem a fechar as fronteiras aos imigrantes. Por esta razão, cresce a tensão entre os países que integram a comunidade europeia para criação de leis que regulem a chegada dos imigrantes.
Por trás das restrições aos imigrantes
A principal razão das restrições aos imigrantes não está atrelada a fatores econômicos, mas tem a ver com a origem étnica.
Explico.
Desde o começo do conflito atual entre a Rússia e a Ucrânia, por volta de 3 milhões de pessoas foram forçadas a deixar o território ucraniano e buscar refúgio em outros países. Em menos de um mês de conflito, mais do que o dobro de refugiados ucranianos chegou à Europa, em comparação com a polêmica crise de refugiados de 2015, em que, segundo dados da Acnur, cerca de 1 milhão de pessoas buscaram asilo na Europa. A situação atual vai muito além de qualquer outra crise de imigração no último século. No entanto, há uma clara diferença de tratamento pelos países europeus.
A recepção dos refugiados ucranianos se tornou um grande projeto comunitário da Europa Continental. Um exemplo claro é o da Polônia, que atualmente abriga cerca de 2 milhões de ucranianos. O país abriu suas fronteiras quase imediatamente, mas, durante a primeira crise com os refugiados do Oriente Médio, foi acusado pela União Europeia de não cooperação nas obrigações de relocação de refugiados. Protestos foram feitos contra a recepção de pessoas buscando asilo em seu território, um marco claro na diferença entre o país que hoje faz campanha para apoiar os ucranianos a atravessarem suas fronteiras.
Outros exemplos de tratamento discrepante entre refugiados do Oriente Médio e da África com a recepção calorosa dos ucranianos podem ser encontrados nos países eslavos. Enquanto a Dinamarca facilita a chegada de imigrantes da Ucrânia, pede a saída de sírios. E durante a crise da Síria, na década passada, muitos países disseram não haver como suportar tantos imigrantes em tão pouco tempo.
Analistas de imigração e refúgio de direitos humanos têm se posicionado sobre a seletividade de países ao receber imigrantes. O critério racial e o critério cultural são elementos que nunca foram assumidos como nos casos da Síria, do Norte da África, do Afeganistão e, de uma certa forma, de países do terceiro mundo. Sempre se questionou a própria legitimidade desses imigrantes. Desconfiava-se das suas intenções ou da legitimidade dos seus pleitos, o que não ocorre com relação aos atuais refugiados ucranianos. Claramente existe uma discriminação em favor de pessoas brancas, entendidas como europeias, em detrimento de outras não brancas vindas do terceiro mundo.
É possível que a aproximação cultural entre a Ucrânia e o resto da Europa facilite esse apoio a partir da ideia de que a Ucrânia é parte da Europa. Existe uma questão de identidade. Os ucranianos são considerados europeus, são próximos culturalmente de vários países, principalmente dos países bálticos, e fazem parte de uma cultura eslava, têm vínculos histórico-políticos com o restante da Europa e, com isso, fazem parte do que é considerado a grande Europa. Isso é o que realmente influencia a decisão de ir em socorro da população ucraniana.
Conflitos sociais a partir da crise de refugiados
Sendo assim, é possível que estejamos diante de uma crise sem previsão de solução de curto prazo, pois recepcionar imigrantes de forma diferente, em função de sua etnia, gerará como consequência conflitos sociais internos.
Fato é que nos países mais abertos à imigração, com políticas sérias de integração, as pessoas passam a ser parte da população que habita um determinado lugar. Elas são incluídas dentro dessa população que as recebe e isso tende a gerar muitos benefícios econômicos e sociais, com maior disponibilidade de mão de obra e tolerância a culturas diferentes. Já nos países que isolam os imigrantes e os coloca em guetos – como o feito pela França com os africanos – tende a gerar um caldeirão de tensão social. Os imigrantes originários são mais passivos, dada a memória recente dos horrores em que passaram e a natural gratidão ao país que os recebeu. Mas seus filhos, já nascidos no país recebedor, possuem normalmente dupla cidadania e, por não terem vividos os conflitos que seus pais viveram, são mais exigentes e demandantes. Isto, aliado a uma política de discriminação e não integração, gera conflitos sociais impactantes, além de impulsionar discursos fascistas de discriminação étnica.
É muito cedo para prever o que irá acontecer na Europa com esta nova crise de refugiados. Integrar à sociedade todos os refugiados, independentemente de sua origem, é a solução básica, mas esta integração parece sofrer restrições políticas – a exceção dos ucranianos – disfarçadas de impactos negativos econômicos. Como diz Caplan, a imigração é uma solução em busca de um problema.
2 Comments
Texto como sempre muito bem escrito, abrangente. Gostaria de acrescentar que não domino o assunto, mas tenho algum conhecimento do que se passa na Italia, através de minha professora, que lê diariamente os principais jornais italianos, além de ter muitos parentes e amigos no país.
Chegam a Siracusa semanalmente centenas e centenas de africanos, carregados de doenças, sem nenhum documento, sem terem jamais recebido uma única dose de uma vacina, sem nenhuma cultura, o que representa diversos riscos à população.
Em nossa última viagem à Italia, há alguns anos, fomos abordados e seguidos por um senegalês, que pedia dinheiro, dizendo “fome e fame” sem parar.
Integrar esse contingente que só aumenta é um problemaço. Não se trata de preencher vagas com mão de obra barata, mas sim dos riscos que oferecem à população.
Muito mais indicada a meu ver seria a política anti guerra, anti fome, fatores que causam o êxodo.
Aí eu entro no que seria tarefa humanitária da Igreja: combater a fome, a guerra e outros problemas na Africa. O Vaticano tem um poder que não usa…
O texto fez lembrar o filme – A Nadadora – História verídica de duas irmãs fugindo da guerra na Síria e tentando chegar na Alemanha. Vale a pena assistir.