Política

Aprendizado em tempos de tragédias: sozinha, a solidariedade não promove mudanças

Aprendizado em tempos de tragédias: sozinha, a solidariedade não promove mudanças

Enquanto o Rio Grande do Sul enfrenta as dolorosas consequências das enchentes que assolaram o estado, um movimento notável de solidariedade se espalha por todo o Brasil. É uma cena familiar em nossa terra: quando uma região é atingida por uma catástrofe, os brasileiros se unem em ajuda mútua. Somos, sem dúvida, um povo solidário. No entanto, por trás desse gesto há uma sombra inegável: a falta de preparação efetiva para enfrentar catástrofes climáticas cada vez mais frequentes. Vou além: a falta de uma política pública nacional que encurte o caminho burocrático do levantamento de recursos emergenciais, algo que a gravidade de situações como essa exigem.

O recente episódio de enchentes no Rio Grande do Sul não é uma ocorrência isolada. Em 2023, o estado já havia enfrentado situações semelhantes, apesar de menos graves, demonstrando a recorrência desses eventos e a necessidade urgente de medidas preventivas robustas. Enquanto nos unimos para ajudar os afetados, e isso é fundamental, precisamos também questionar o que está sendo feito para evitar que tais tragédias se repitam no futuro.

Ao olhar para além de nossas fronteiras, observamos outros países implementando medidas significativas para lidar com desastres naturais. Países como Holanda, Japão e Nova Zelândia investem em sistemas avançados de prevenção de enchentes, como barragens, sistemas de alerta precoce e estruturas de drenagem eficientes. Eles aprendem com suas próprias experiências e com os desafios enfrentados por outras nações.

No entanto, é lamentável constatar que, mesmo diante de evidências e exemplos globais, o Brasil ainda carece de uma resposta eficaz a esses desafios. Enquanto nos envolvemos em debates políticos acalorados sobre a culpa e a responsabilidade do governo, as promessas de mudança raramente se materializam após o clamor da situação diminuir.

É importante destacar que essas tragédias não são exclusivas do Rio Grande do Sul. Petrópolis, no Rio de Janeiro, e o litoral norte de São Paulo são apenas algumas das regiões que sofrem com problemas semelhantes. A falta de investimento em infraestrutura e prevenção nessas áreas de risco é um reflexo da negligência contínua em lidar com as mudanças climáticas e suas consequências devastadoras. Não é possível que com tantos exemplos que se repetem, áreas de risco ainda sejam ocupadas com moradias irregulares, que sistemas de alerta para a população não estejam em pleno funcionamento. Me deparei hoje com a notícia de que a Anatel agora colocará em funcionamento um novo sistema de emissão de alerta que atingirá a todos, e não apenas aos cadastrados. Definitivamente uma medida bastante atrasada.

Diante desse cenário, é essencial que a sociedade exija ações concretas de nossos líderes políticos. Afinal, estamos em um ano eleitoral. Seria imperioso que os eleitores direcionassem seus votos àqueles candidatos que apresentem projetos reais para prevenção de acidentes climáticos em suas regiões. É no ápice da democracia, as eleições, que a população tem mais força para fazer sua vontade se impor. Que seja agora, então, o momento de colocar essa pauta em evidência. Não podemos mais tolerar a inação e as promessas vazias. É hora de investir em medidas preventivas, como a construção de barragens, o fortalecimento de sistemas de alerta e o mapeamento de áreas de risco. Não temos mais tempo para politizar o debate. Catástrofes como essa devem unir opostos e interromper divergências entre a classe política. Algo que, definitivamente, não vejo. Sobraram ataques para a primeira-dama, para o Governo do Rio de Janeiro e até mesmo para a Madonna, que no mesmo fim de semana da tragédia se apresentou para mais de 1,6 milhão de pessoas em um show gratuito nas areias de Copacabana. Não quero entrar aqui no mérito se tínhamos clima para a realização de tal evento. Mas quero questionar: são essas as pautas que realmente deveriam estar sendo acaloradamente debatidas?

Minha resposta é veemente: claro que não. E me causa pessimismo e desânimo ver que a população e os políticos se perdem nas questões ideológicas e se esquecem de criar uma agenda prática, urgente e exequível de medidas para não apenas auxiliar a população que sofre no momento com o problema, mas também para prevenir tamanha destruição quando nos depararmos com novas ameaças naturais. Enquanto nos solidarizamos com as vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul, devemos transformar nossa compaixão em ação. Precisamos exigir mudanças reais e duradouras para enfrentar os desafios das catástrofes climáticas. Não são promessas vazias ou ataques insólitos que vão trazer as condições de nos tornarmos um país mais resiliente e preparado para os tempos difíceis que inevitavelmente virão.

About Author

Maurício Ferro

O que o futebol, vinhos, direito, política e economia têm em comum? Muito mais do que você imagina. E ao contrário do que prega o ditado popular, podem e devem ser debatidos e analisados sim. Sejam bem-vindos ao site de Maurício Ferro, um canal para se criar e trocar pensamentos e opiniões. Maurício Ferro é advogado, formado pela PUC do Rio de Janeiro, com mestrado e especializações realizadas em universidades como a London School e University of London. Cursou OPM na Harvard Business School. Autor de trabalhos publicados nas áreas comercial e de mercado de capitais, e com atuação no Conselho de Administração de grandes empresas, fundamentou sua carreira jurídica e executiva com foco do Direito Empresarial. Mas sua paixão vai além do mundo corporativo. Flamenguista apaixonado, Mauricio conhece os meandros do mundo profissional do futebol e de outros esportes. É sócio em empresas inovadoras como a 2Blive, uma startup global focada em soluções tecnológicas para suprir a carência no ensino, especialmente em áreas de grande necessidade como a África. Investe ainda na empresa Flow Kana, sediada na California, e voltada para a produção científica da Canabis para diversos fins, como medicinal, produção de roupas ou uso recreativo. A todos esses ingredientes, adicione ainda um profundo conhecimento sobre vinhos e os caminhos deliciosos da enologia. Essa é a receita do que vocês encontrarão por aqui.

1 Comment

  • 👏👏👏

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *