Economia

Afinal, qual deve ser o tamanho do Estado?

Afinal, qual deve ser o tamanho do Estado?

A exceção do pensamento anarquista, que não se confunde com bagunça, mas com ausência de Estado, já não se discute mais o papel do Estado como agente regulador. Impossível imaginarmos milhões de habitantes convivendo em cidades sem uma entidade empoderada que traga uniformidade a determinadas situações, como registo de propriedade de imóveis, regras de trânsito, moeda em circulação e por aí vai. Atualmente é praticamente impossível imaginar o convívio social sem o papel do Estado.

Daí a pergunta inevitável. Qual deve ser o tamanho do Estado? Ele deve somente ter um papel regulador, como querem os liberais, ou deve ter uma presença maior na economia como pregam os socialistas? Os extremos já se provaram errados. O comunismo não deu certo e, por favor, não defendam que a China é um país comunista, e o liberalismo puro acabou sendo terra fértil para maior desigualdade social e pelo nascimento do comunismo e do fascismo. Admitir que o Estado é necessário não significa consentir que o poder publico deva estar presente em tudo. Existe, então, uma fórmula que se aplique a todos os países? Aí mora o debate. Importar de Chicago as ideias liberais que funcionam nos EUA significa que funcionarão por aqui?

Países que tenham renda per capta baixa, com enormes desigualdades sociais e de distribuição de renda, precisam de uma presença maior do Estado na economia. Por mais que se concorde com o pensamento de Adam Smith, em Riqueza das Nações, pelo qual o desenvolvimento individual acaba por gerar mais riqueza ao coletivo, reconheço que em certos projetos de necessidade social, mas com baixo retorno econômico, ou alto risco, somente o Estado pode servir de agente indutor para seu desenvolvimento. Setores como infraestrutura, educação, transporte e saúde pública dificilmente prosperam em países subdesenvolvidos sem uma presença do Estado. São setores que precisam de uma política publica de incentivo, dado os volumes financeiros elevados, alto risco, mercado de capitais de porte insuficiente e mercado financeiro muito concentrado em poucos agentes, além de juros normalmente altos.

Mesmo assim, o papel do Estado deve se limitar a criar as condições de viabilidade econômica. O agente privado deve executar o projeto, auferir os lucros imaginados ou assumir as perdas indesejadas.  Estado não deve, por exemplo, se meter no preço do produto ou do serviço prestado. Se este está abusivo, deve estimular a concorrência nacional ou internacional para que os preços se ajustem às práticas de mercado. O Estado deve assegurar que se tenha opção de escolha. Evitar tutelar o cidadão para fazer a escolha em seu lugar, como se este fosse um incapaz.

Regular apenas para corrigir distorções, mas sem interferir no livre comércio

No âmbito regulatório, o Estado deve se preocupar com a correção das distorções. Cito por exemplo os planos de saúde. O papel do Estado não deveria ser de regular se determinado exame, ou conduta médica deva ou não estar coberto pelo plano, mas sim de obrigar a empresa do plano a oferecer coberturas que sejam customizadas ao cliente e ao final cobrar pelo pacote escolhido. Do que interessa um homem solteiro obter plano que cubra parto se este não pretende ter filhos? Por que obrigar aos motoqueiros a usarem capacetes se estes acreditam nas suas habilidades. Por que proibir o serviço de uber moto? Dirão alguns que o acidente de trânsito causa custo ao Estado. Ora, basta cobrar um IPVA bem mais alto para que o motociclista escolha entre o bolso e o maior risco de vida. Há sempre um custo indireto no excesso de regulação que é o custo da fiscalização. No caso do uber taxi, basta criar os requisitos do serviço. Motos de determinadas cores e modelos, local onde podem trafegar, proibição de costurar o trânsito, taxa específica para prever eventuais acidentes, ao invés de discutir a existência do serviço. Se há demanda, surgirá a oferta legal, ou ilegal.

Alguns setores carecem de maior presença do Estado para seu desenvolvimento. Daí surge a necessidade das políticas publicas.  Não se trata de subsídio, modelo que não é sustentável a longo prazo, mas de incentivo pela política publica. Não se trata, também, de escolher privilegiados, mas de reconhecer que determinados setores não existirão sem a participação do Estado. Como desenvolver a indústria naval, aeronáutica, tecnológica, energética para ficar em poucos exemplos, sem a certeza da existência de infraestrutura adequada para o setor? O papel é de indutor e nunca de partÍcipe.

A literatura econômica especializada, mostra com estudos econométricos uma relação inversa entre o tamanho do Estado e o crescimento econômico de um país. Quanto maior o Estado, menor o crescimento econômico. O economista americano Richard Rahn chega a estabelecer um tamanho ótimo do Estado entre 15% a 25% do produto interno bruto (PIB). Ou seja, reconhece que gastos dos governos podem maximizar o crescimento econômico, mas que a partir de um certo nível passa a ser prejudicial. A teoria é utilizada por liberais clássicos para defender a ideia de diminuição dos gastos públicos e da tributação. Também vale a leitura de um estudo do Banco Central Europeu em 2011, sobre 108 países, no período de 1970 a 2008, que conclui que “há um efeito significativo negativo da dimensão do Estado no crescimento econômico” e que “o efeito negativo do tamanho do estado sobre o PIB per capita é mais pernicioso em países com instituições de baixa qualidade”, como infelizmente acontece nos países subdesenvolvidos.

A propriedade privada é indício de liberdade e sinônimo de eficiência

Como já explicava São Tomas de Aquino, a propriedade privada é muito mais eficaz que a sua alternativa, em primeiro lugar porque “cada um é mais diligente na gestão do que lhe pertence exclusivamente do que lhe é comum a todos, segundo porque os assuntos humanos são administrados de maneira mais ordenada se cada um for responsável por cuidar de seus próprios interesses”. Assim, condição essencial para o progresso é a liberdade individual e o estado de direito robusto que proteja o cidadão do Estado. Este deve regular os contornos da atividade econômica para que sejam atrativos e a iniciativa privada deve assumir os riscos inerentes da sua operação.

A combinação do Estado com a iniciativa privada deu origem a grandes desenvolvimentos sociais e econômicos. A estrada de ferro que corta os Estados Unidos de leste a oeste é um exemplo da demanda criada pelo Estado e a oportunidade bem capturada pela iniciativa privada. Nem a iniciativa privada e nem o Estado sozinhos explicam o Vale do Silício. Ambos ocorreram em áreas distintas. Um na criação do conhecimento o outro no erguer de uma indústria.  Como bem explicou Pedro Doria em seu recente artigo “Não fosse o Estado, não teria havido naquele canto da California uma explosão criativa de desenvolvimento tecnológico a partir dos anos 1970. E, não fosse a iniciativa privada a explosão criativa não teria se tornado a mais poderosa indústria do mundo nessa década que entramos. Foi o Estado americano, principalmente por meio do Departamento de Defesa e da Nasa, que financiou os cientistas e engenheiros que criaram o microchip, o mouse e a internet…., mas não foi o Estado americano que criou a Intel, a companhia que popularizou os microchips. Nos arredores onde nasceu a Intel, nasceram diversas pequenas empresas de garagem criando computadores que as pessoas poderiam ter em casa. Uma delas foi a Apple”.

A combinação contributiva do Estado com a iniciativa privada gera benefícios sociais de longo prazo. O Estado democrático deve investir em conhecimento e infraestrutura básica capaz de fomentar o apetite da iniciativa privada, criando um mercado forte, aberto e confiante de que a politica econômica não mudará a cada ciclo eleitoral.

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Maurício Ferro

O que o futebol, vinhos, direito, política e economia têm em comum? Muito mais do que você imagina. E ao contrário do que prega o ditado popular, podem e devem ser debatidos e analisados sim. Sejam bem-vindos ao site de Maurício Ferro, um canal para se criar e trocar pensamentos e opiniões. Maurício Ferro é advogado, formado pela PUC do Rio de Janeiro, com mestrado e especializações realizadas em universidades como a London School e University of London. Cursou OPM na Harvard Business School. Autor de trabalhos publicados nas áreas comercial e de mercado de capitais, e com atuação no Conselho de Administração de grandes empresas, fundamentou sua carreira jurídica e executiva com foco do Direito Empresarial. Mas sua paixão vai além do mundo corporativo. Flamenguista apaixonado, Mauricio conhece os meandros do mundo profissional do futebol e de outros esportes. É sócio em empresas inovadoras como a 2Blive, uma startup global focada em soluções tecnológicas para suprir a carência no ensino, especialmente em áreas de grande necessidade como a África. Investe ainda na empresa Flow Kana, sediada na California, e voltada para a produção científica da Canabis para diversos fins, como medicinal, produção de roupas ou uso recreativo. A todos esses ingredientes, adicione ainda um profundo conhecimento sobre vinhos e os caminhos deliciosos da enologia. Essa é a receita do que vocês encontrarão por aqui.

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