Comportamento

A imortalidade dos esquemas de pirâmide

A imortalidade dos esquemas de pirâmide

“O dinheiro fácil é frequentemente o caminho mais difícil para a verdadeira prosperidade”

Sócrates

Nesta semana, um advogado carioca foi morto a tiros em frente ao seu escritório no Rio de Janeiro. A polícia investiga se o motivo do seu assassinato está ligado ao fato de este profissional ter desmantelado um esquema de pirâmide de criptomoedas. Este crime bárbaro nos faz pensar como esquemas de pirâmide seguem relutantemente reaparecendo sob novas roupagens, e agora com o auxílio sofisticado da tecnologia, da internet e de seus aplicativos. É um fenômeno fascinante por explorar as fragilidades humanas.

Casos como Boi Gordo (Brasil 1990), MMM (Rússia, 1990), Banco Santos (Brasil 2004), Avestruz Master (Brasil 2005) Bernard Madoff (2008), Telexfree (Brasil 2013), Atlas Quantum (Brasil 2018), PlusToken (China, 2019) e o mais gritante deles, o da Albânia em 1997, que resultou na derrubada do governo e deixou milhares de mortos, continuam surgindo em todo o mundo. Agora as criptomoedas estão sendo usadas para esta finalidade.

Como é possível que sobreviva em plena era da comunicação instantânea um sistema cujas limitações matemáticas não são difíceis de demonstrar e cujos insucessos práticos são tão conhecidos?

Há tentativas de explicação para este fenômeno que passam pela ilusão de ganhos fáceis, pressão social de “amigos” e familiares, falta de educação financeira e o desejo de enriquecimento rápido. Psicólogos e economistas justificam esta ignorância coletiva como fator humano intrínseco na sociedade capitalista, comparando-a com outros problemas de consumo como dependência de drogas, jogo, transtornos alimentares cuja origem da disfunção está na má socialização e falta de informação. A mídia também é citada como fator de estímulo à fraude, pois acaba induzindo o consumidor aos maus hábitos.

Sem querer negar as razões acima, o que considero o maior responsável é a desconfiança no sistema financeiro tradicional e o sempre rebuscado e tedioso entendimento das operações financeiras. Tente explicar para um cidadão comum o que vem a ser derivativo, renda variável, renda fixa (que não é fixa), fundos, CDI, CRI, CRA e que, apesar de nem saber da existência das Lojas Americanas, o dinheiro que colocou no banco foi parar num fundo multimercado, que aplicou nesta empresa sem seu conhecimento e perdeu o investimento. Ele, que provavelmente nem conhecia a empresa foi prejudicado pelos “gênios” de mercado.

Esta sofisticação de aplicações financeiras tradicionais alimenta uma miríade de profissões que orbitam o dinheiro privado, mas não conseguem traduzir em linguagem comum como o dinheiro está sendo aplicado e como o investidor poderá usufruir deste investimento.

Neste vácuo de conhecimento o investidor acaba por se seduzir pelo fraudador, geralmente de boa lábia e linguagem simples, que explora mecanismos individuais e coletivos de autoengano para fazer com que suas vítimas fiquem cegas para a inconsistência do investimento milagroso.

Funciona, pois ciclicamente as pirâmides ressurgem como pragas egípcias a devorar todo investimento alheio.

Órgãos reguladores do mercado tentam dificultar a formação de novos esquemas de pirâmide, mas os resultados práticos são inconsistentes.

A solução passa pelos bancos atraírem investidores para operações mais simples, de fácil entendimento e retomar o contato pessoal com seus clientes. Quando o dinheiro está seguramente aplicado em instituições financeiras sérias, retira-se o espaço dos embusteiros, fazendo com que estes engenheiros de pirâmide tenham que finalmente arrumar emprego.

A cada dia o mundo fica mais tecnológico e as relações humanas genuínas se distanciam, o que nos torna mais solitários e desconectados emocionalmente, apesar da aparente conexão digital. Esta força autônoma da tecnologia molda a sociedade e nos torna mais alienados uns dos outros.

Assim, na era em que os gerentes das agências de bancos são figuras de museu e o contato do banco com o cliente se dá somente por via eletrônica, está semeada terra fértil para os faraós operarem os esquemas de pirâmide, pois estes vendedores de ilusão se fazem presentes, conversam pessoal e exaustivamente com suas vítimas a todo momento até o dinheiro ser investido. Esquemas de pirâmide não usam telemarketing, mensagem eletrônica ou 0800. Mais humanidade no mercado financeiro ajudaria a afastar fraudadores.

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Maurício Ferro

O que o futebol, vinhos, direito, política e economia têm em comum? Muito mais do que você imagina. E ao contrário do que prega o ditado popular, podem e devem ser debatidos e analisados sim. Sejam bem-vindos ao site de Maurício Ferro, um canal para se criar e trocar pensamentos e opiniões. Maurício Ferro é advogado, formado pela PUC do Rio de Janeiro, com mestrado e especializações realizadas em universidades como a London School e University of London. Cursou OPM na Harvard Business School. Autor de trabalhos publicados nas áreas comercial e de mercado de capitais, e com atuação no Conselho de Administração de grandes empresas, fundamentou sua carreira jurídica e executiva com foco do Direito Empresarial. Mas sua paixão vai além do mundo corporativo. Flamenguista apaixonado, Mauricio conhece os meandros do mundo profissional do futebol e de outros esportes. É sócio em empresas inovadoras como a 2Blive, uma startup global focada em soluções tecnológicas para suprir a carência no ensino, especialmente em áreas de grande necessidade como a África. Investe ainda na empresa Flow Kana, sediada na California, e voltada para a produção científica da Canabis para diversos fins, como medicinal, produção de roupas ou uso recreativo. A todos esses ingredientes, adicione ainda um profundo conhecimento sobre vinhos e os caminhos deliciosos da enologia. Essa é a receita do que vocês encontrarão por aqui.

1 Comment

  • quantas pessoas são enganadas por querem ganhar dinheiro fácil.

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