História Política

A caserna precisa se explicar

A caserna precisa se explicar

“Numa democracia, os militares devem prestar contas ao povo, não o contrário.”

Franklin D. Roosevelt

É inevitável remeter a atual conjuntura política nacional, com as revelações das investigações dos atos golpistas de 8 de janeiro, aos tempos em que o país era governado com mãos de ferro pelos militares. A aparente preocupação que se tinha no pós-eleição de um novo fechamento do regime era fundamentada. As investigações da Polícia Federal apontam que o planejamento do golpe passou efetivamente pelas Forças Armadas e chegou ao ponto de ser debatida, com apoio de alto comando das forças militares, uma minuta de decretação de estado de emergência.

Por mais que o país esteja polarizado em ideologias distintas, ainda parece surreal que tenha chegado a este ponto. É obvio e ululante que esta patacoada tupiniquim, travestida de golpe e planejada por figuras jocosas não duraria uma semana. Além do repúdio social (mesmo os defensores de direita com credibilidade não apoiariam esta maluquice), a comunidade internacional simplesmente extirparia o país do planeta, como quem retira um cancro destes biltres. 

Mas, então, por que os militares, profissionais respeitados, bem-preparados e disciplinados, deixaram esta loquacidade lunar evoluir a este ponto?

Curioso é que dois dos principais articuladores do novo golpe tenham passado pela carreira militar com mácula nas suas condutas. Bolsonaro foi enquadrado por infração disciplinar e suspeito de participar de plano para explodir bombas em quartéis.  Em 1977, o general Heleno trabalhava no gabinete do ministro Silvio Frota e, juntamente com seu superior, tentou enfrentar e impedir o projeto de abertura política liderada por Golbery do Couto e Silva e pelo general Geisel. Um processo de abertura política que não era necessariamente democrático, mas mesmo assim tentou manter o poder nas mãos dos militares. Ou seja, o general Heleno, que já era um golpista, tentou em 1977 dar o golpe no golpe que já vigorava desde 1964.

Não é coincidência. Tal qual os Integralistas liderados por Plinio Salgado, que tentaram dar o golpe fascista em 1930 e pareciam ter sumido em 37, voltaram à cena política com forte articulações no golpe de 1964, agora, militares insubordinados ressurgem para tentar atacar o sistema democrático tal qual já haviam tentado em 1977. A negligência, ou parcimônia do alto comando militar com seus insubordinados gerou o ovo da serpente que tramaria o golpe de 2022.

Bolsonaro entrou no governo mais pelo demérito da esquerda baqueada com a Lava Jato do que por seus próprios méritos. Até ele admite isso, ao dizer que estava presidente por uma “cagada”. A frase lhe cai bem.

Eleito, esticou a corda ao abarrotar o governo com militares da ativa em cargos civis, sem nenhuma conexão com as funções militares. 

Esta perigosa e disfuncional manobra de colocar militares no poder civil, por lógica, traria, como efetivamente trouxe, problemas para o país, quer seja pela má gestão – afinal não foram treinados para a função – quer seja por apego ao poder, embrião de golpes futuros. 

O governo Lula tem tratado o tema de forma diplomática, mas com os avanços das investigações há claramente um desconforto geral quanto ao posicionamento da cúpula militar. Por exemplo, militares investigados serão promovidos na próxima reunião do alto comando marcada para março deste ano?

O discurso oficial das Forças Armadas é o de que se tratam de atitudes isoladas, que não tiveram apoio da instituição. Os fatos apontam para participação do alto comando, e por muito pouco o golpe não se efetivou.

As Forças Armadas estão derretendo em praça pública por descrença e desconfiança. É preciso que se posicionem com ações internas e não fiquem somente à mercê dos fatos apurados pelo judiciário ou pela Polícia Federal. Se a justiça militar se justifica, é hora de dar uma satisfação do que fará com os (ir)responsáveis de farda e como garantirá que algo semelhante jamais venha a ocorrer no futuro. 

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Maurício Ferro

O que o futebol, vinhos, direito, política e economia têm em comum? Muito mais do que você imagina. E ao contrário do que prega o ditado popular, podem e devem ser debatidos e analisados sim. Sejam bem-vindos ao site de Maurício Ferro, um canal para se criar e trocar pensamentos e opiniões. Maurício Ferro é advogado, formado pela PUC do Rio de Janeiro, com mestrado e especializações realizadas em universidades como a London School e University of London. Cursou OPM na Harvard Business School. Autor de trabalhos publicados nas áreas comercial e de mercado de capitais, e com atuação no Conselho de Administração de grandes empresas, fundamentou sua carreira jurídica e executiva com foco do Direito Empresarial. Mas sua paixão vai além do mundo corporativo. Flamenguista apaixonado, Mauricio conhece os meandros do mundo profissional do futebol e de outros esportes. É sócio em empresas inovadoras como a 2Blive, uma startup global focada em soluções tecnológicas para suprir a carência no ensino, especialmente em áreas de grande necessidade como a África. Investe ainda na empresa Flow Kana, sediada na California, e voltada para a produção científica da Canabis para diversos fins, como medicinal, produção de roupas ou uso recreativo. A todos esses ingredientes, adicione ainda um profundo conhecimento sobre vinhos e os caminhos deliciosos da enologia. Essa é a receita do que vocês encontrarão por aqui.

2 Comments

  • Concordo plenamente…

  • Infelizmente o tema “Democracia” em nosso país se perdeu, atende apenas a algumas agendas e é usado a maneira que bem cabe aos governos. Este texto elucida bem o tema, nos faz lembrar de mantermos nossos olhos bem abertos e sermos mais participantes ao que acontece por aqui, ainda que seja exatamente como diz o Salomão, o Qohélet: “Nada de novo debaixo do sol”.

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