Guido Mantega na Vale: pressões e controvérsias do mercado
A recente indicação de Guido Mantega para a presidência da Vale gerou intensos debates e pressões por parte do mercado. O movimento foi tão grande que a indicação acabou sendo cancelada, com o ex-ministro divulgando uma carta em que abriu mão do cargo. Mesmo assim, toda essa celeuma merece uma reflexão sobre os motivos por trás da resistência à sua nomeação. Seriam essas críticas realmente justificadas, ou fruto de uma questão que vai além da análise de capacidade do então candidato?
É notório que acionistas de grandes empresas buscam influenciar a escolha de candidatos alinhados aos seus interesses. No entanto, questiona-se por que a pressão recai especificamente sobre Guido Mantega? Seria essa uma prática natural do mercado, ou há um viés seletivo na crítica?
A trajetória de Guido Mantega como ex-ministro da Fazenda é frequentemente citada como motivo de descontentamento e até mesmo incompatibilidade. No entanto, é válido ponderar se outros nomes renomados, como Pedro Malan e Fernando Henrique Cardoso, enfrentariam a mesma resistência, caso fossem indicados. Será que outras pessoas do mercado, com passagem pelo governo, teriam um tratamento tão agressivo quanto o que foi dispensado a Guido Mantega? Ou seria mera pressão desproporcional? Mais um questionamento: quando analisamos o caminho contrário, tal pressão também é válida? A comparação com gestões controversas de ministros que vieram do mercado também deveria receber uma atenção e relevância, como Levi, vindo do Bradesco, e Paulo Guedes, que fez uma péssima gestão no seu ministério.
O mercado, que prega a ideia de liberalismo e mínima interferência governamental revela suas contradições ao buscar ajuda estatal quando setores, como o de companhias aéreas, enfrentam dificuldades. A análise se estende ao passado, quando o PROER (Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional), uma iniciativa do governo Fernando Henrique Cardoso em resposta às crises enfrentadas por instituições bancárias na época, foi criado com o objetivo de garantir a estabilidade do sistema financeiro nacional, evitando a quebra de bancos e protegendo os depositantes. Em bom português: foi o Estado estendendo o braço para salvar o mercado em tempos de crise.
A controvérsia do mercado em seus momentos de fragilidade
Voltando ao setor aéreo, a situação atual de instabilidade e crise do segmento evidencia a dualidade de posicionamento do mercado: o liberalismo apregoa a menor interferência governamental possível, mas quando setores começam a demonstrar fraqueza, esse mesmo mercado liberal é o primeiro a bater na porta do Governo para pedir ajuda e incentivo de alguma forma. Ou seja, a ideia de uma aérea com participação estatal gera calafrios nos corredores da Faria Lima, mas nenhuma delas se furta de buscar apoio governamental em momentos de fragilidade. Isso levanta questões sobre a coerência das demandas do mercado em diferentes contextos.
A referência ao PROER e à dependência da Vale em relação ao governo federal ressalta ser impossível a existência sem uma interconexão entre empresas privadas e o Estado. A Vale, embora seja uma entidade privada com ações na bolsa, necessita de aprovações e autorizações governamentais. Isso suscita a reflexão sobre a incoerência de rejeitar a influência governamental em certos aspectos e buscá-la em outros. Então, se o mercado quer dizer que não deve haver participação nenhuma do Presidente da República ou do Governo para indicação, que também a Vale não vá bater à sua porta, se não tiver seus alvarás renovados, ou caso não tenha programas específicos de mineração autorizados. São dois pesos e duas medidas: se eu não quero que o governo pressione em nada a minha governança, também não posso querer que ele esteja à minha disposição quando eu precisar de alguma ajuda, economicamente.
Por fim, pressão de acionistas relevantes nas companhias para indicação de presidentes e conselheiros é absolutamente normal, tanto no Brasil quanto no mundo. O próprio BlackRock, uma das maiores gestoras de investimentos do mundo e acionista da Vale, também faz pressão pela nomeação executivos dentro da companhia. A controvérsia em torno de Guido Mantega na Vale destaca a necessidade de analisar criticamente as razões por trás das resistências. A essa altura, os jornais já anunciam a divulgação de uma carta na qual o ex-ministro afirma desistir de ocupar o cargo na Vale. O que deixa ainda mais evidente que o debate não deve se limitar a questões individuais, mas expandir para uma reflexão mais ampla sobre as contradições do mercado e sua relação com o governo. Mais uma vez, o que está se fazendo no Brasil é muita marola por uma situação que não é necessariamente tão complicada assim.
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Parabéns pelo artigo.