Economia

Concentração de poder e as politicas monetárias destrutivas

Concentração de poder e as politicas monetárias destrutivas

Vivemos na era da economia monetária global ditando o ritmo da economia real e produtiva. Banqueiros centrais elevados à categoria de magos, ou de deuses do olimpo, infalíveis, clarividentes e benéficos. Infelizmente, ninguém lhes sussurra ao ouvido que não são mais do que homens.

Para ser justo, em vários momentos os bancos centrais agiram corretamente para estabilizar o sistema financeiro. O problema é que dá a sensação de que, uma vez que tenham provado o sabor do poder não querem mais abandoná-lo. Assim, atualmente, encontramos uma realidade bem diferente na qual os grandes bancos centrais estão realizando um experimento monetário muito perigoso: se colocando em um beco sem saída do qual, por definição, não sabem nem se serão capazes de sair.

A filosofia que os impulsiona é a que sempre impulsionou o conceito de intervencionismo na economia: um pequeno grupo de financistas define que pode controlar a economia sem entender que esta não é uma máquina, mas um ecossistema formado por seres humanos dotados de inteligência e liberdade de ação que, em vez de fazer o que este grupo lhes ordena, fazem o que mais lhes convém. O que funciona é aquela maravilhosa ordem espontânea chamada economia de mercado, que respeita a liberdade do homem, sua dignidade e sua responsabilidade, o encoraja a desenvolver seus talentos e também já mostrou ser eficaz para livrar grande parte da humanidade da pobreza.

Desde os tempos bíblicos toda economia tem ciclos em que a bonança se alterna com a penúria, e cuja origem reside na inevitável e imutável falibilidade do homem. Na vã busca de uma economia impossível sem ciclos, o intervencionismo financeiro econômico cria sistemas de incentivos perversos que omitem o caráter terapêutico da recessão, dolorosa mas saudável e imprescindível para limpar e corrigir os erros e excessos do passado. Claro, o que fundamentalmente move os políticos a tentar evitar os ciclos baixos não é o bem-estar dos seus cidadãos, mas a preocupação de que a época das vacas magras coincida com o momento da sua reeleição.

O intervencionista econômico, quer seja o banco central independente, ou determinado governo, esquece que pode levar o boi ao bebedouro, mas não pode forçá-lo a beber. De fato, o intervencionista econômico pode fixar taxas financeiras, ou de juros a seu bel prazer, mas não pode obrigar a que as pessoas ou as empresas tomem o empréstimo. O governo intervencionista pode congelar o preço de determinado produto, ou aumentar o salário mínimo dos trabalhadores, mas não pode forçar a empresa a produzir se esta perde dinheiro e se arruina, nem pode forçá-la a contratar se o salário fixado exceder a produtividade do trabalhador. O intervencionista pode impor tributos, ou estabelecer regulamentos que roçam o sadismo, mas não pode obrigar o empregador a aceitar realizar sua atividade em tais condições, ou evitar que ele acabe se largando com vento fresco para algum lugar, onde não seja submetido a constante tortura pelo crime de querer criar emprego e riqueza, para si mesmo e para a comunidade.

Da mesma forma, o banco central pode fixar juros zero, ou juros altíssimos e criar oceanos de liquidez do nada, mas não pode forçar os bancos a emprestar a quem não acham oportuno, ou a emprestar mais do que uma gestão de risco prudente recomenda. Como também não pode forçar o cidadão, ou a empresa a pedir emprestado se não precisarem.

O mundo ocidental tem um enorme problema de excesso de dívida. No caso do Brasil, a dívida pública em 2010 era pouco inferior a 60% do PIB e agora ultrapassa 70% do PIB, e continua a crescer. Assim, quando se estipulam juros altíssimos, aumenta-se automaticamente a dívida dos títulos públicos e privados. Com isso, me pergunto: qual é o sentido de incentivar um aumento da dívida financeira quando já temos um excesso de dívida? Além disso, existem inúmeros estudos que mostram que níveis elevados de dívida prejudicam o crescimento econômico. Queremos crescer menos? Se temos problemas sérios hoje, que problemas teremos com maior dívida e menor crescimento?

Os bancos centrais argumentam que querem diminuir inflação, embora na história dos bancos centrais não existam precedentes sólidos de criação controlada de inflação. Para isso, chegou-se ao absurdo na Europa em determinado momento de criar a taxa de juros negativa, conceito inédito na história documentada da humanidade. Também o FED (equivalente ao banco central brasileiro) elevou o intervalo do fund rate americano que estava ao redor de 0,25-0,50% em março de 2022 para 4,75-5,0% em março de 2023, ou seja, uma subida de aproximadamente 500% em alguns meses, sem que isso fizesse cocega na taxa de inflação americana

A taxa de juros tem sua origem no axioma de que um bem, ou um dólar no momento presente, certo, seguro e tangível, tem mais valor do que um bem, ou um dólar incerto de amanhã. Como diz o dito popular melhor um pássaro na mão, do que dois voando. É por isso que quem empresta, ou investe é recompensado em taxas razoáveis. Por isso, não faz sentido algum o conceito de juros negativos, pois aquele que deposita seu salário no banco, paga ao banco pelo privilégio de lhe emprestar. Imagine uma hipoteca em que o banco não só nos empresta o dinheiro para comprar a casa, mas nos paga todos os meses por esse empréstimo. Talvez por não ser banqueiro e nem funcionário do banco central eu considere isto uma aberração ou, se me permitirem, uma estupidez.

Claro, essas taxas zero ou negativas criaram a maior bolha da história nas bolsas de valores. A história financeira mostra que todas as bolhas, sem exceção, acabam explodindo, como aconteceu com a bolha imobiliária e de ações em 2008. Talvez quando a bolha atual, dos juros elevados, criada pela temeridade e arrogância dos bancos centrais, explodir, a de 2008 pareça, em comparação, uma marolinha. Também a taxa de juros altíssima cria aberrações na economia, principalmente quando está descasada das realidades econômicas do momento, e são atribuídas a futuro incerto de medidas governamentais. Ora, por definição todas as medidas futuras são submetidas a incertezas, quer sejam de mercado, ou de decisões políticas. Fato é que mudanças aceleradas de taxas de juros em curto período descasam ativos e passivos e têm consequências dramáticas, como se viu na quebra do Silicom Valey Bank. Hoje o sistema é muito mais rápido e tem mecanismo de amplificação instantâneo que tornam difícil, senão impossível, controlar um dano por menor que seja. Eventos se atropelam muito rapidamente, como prova a quebra do Credit Suisse, que, com pouco mais de uma semana, um banco com mais de trilhão de ativos foi a falência.

É claro que os bancos centrais devem ter um olhar para o futuro, pois a taxa de juros é um preço (do dinheiro) que também desempenha uma função de transmissão de informação sobre a expectativa de inflação e crescimento, ou a credibilidade do devedor. Este mecanismo de informação é importante para o bom funcionamento da economia. Mas os bancos centrais tendem a prejudicar esta função informativa, ao politizarem a taxa de juros. Quando a taxa definida não dialoga com a economia real o efeito de credibilidade desaparece. Por exemplo, há alguns anos os títulos soberanos europeus pagavam menos juros do que os títulos soberanos dos EUA, ou do Canadá, o que não é apenas uma distorção, mas um verdadeiro preço artificial.

Hoje em dia políticas monetárias estão dominando o noticiário mundial e se tornaram mais importante do que a economia real. Isto põe em perigo empresas, bancos, seguradoras, fundos de pensões e aposentados que dependiam de um retorno razoável da seus investimentos, incentivando-os a correr riscos imprudentes. Não nos esqueçamos que riscos imprudentes = falências. A taxa de juros deve refletir controle da inflação, mas não pode se resumir a isto. Deve levar em consideração a criação de empregos e o desenvolvimento da atividade econômica real.

Atualmente a política monetária se tornou tão importante mundialmente, que já se discute, até mesmo, uma moeda comum para transações comerciais entre países, cuja finalidade básica é evitar ficar atrelado a uma terceira moeda, no caso o dólar, pois a transação comercial acaba ficando sujeita a política monetária americana, sem que esta operação nada tenha a ver com o este país.

Não é uma boa ideia que se tenham instituições dotadas de tão imenso poder, livres de qualquer vínculo legal, que não respondem a ninguém nem estão sujeitas a nenhum controle, e cujos líderes não eleitos estejam isentos de toda a responsabilidade. O abuso de poder é garantido. A política monetária não pode se sobrepor a política economica produtiva, aquela que gera bens, empregos, renda, impostos.

Vivi num período em que o banco central imprimia dinheiro e comprava dívida pública com esse dinheiro. O Brasil era chamado de repúblicas das bananas, pois só destruímos a moeda. Hoje em dia, tanto no exterior como aqui, as políticas monetárias ganharam total protagonismo com suas decisões de aumento de juros desatrelados da economia real, impactando fortemente a economia global. Desse modo, os bancos centrais já transformaram a maior parte dos países desenvolvidos em repúblicas de bananas e todos nós teremos de nos ater às consequências, que nada leva a crer serão positivas.

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Maurício Ferro

O que o futebol, vinhos, direito, política e economia têm em comum? Muito mais do que você imagina. E ao contrário do que prega o ditado popular, podem e devem ser debatidos e analisados sim. Sejam bem-vindos ao site de Maurício Ferro, um canal para se criar e trocar pensamentos e opiniões. Maurício Ferro é advogado, formado pela PUC do Rio de Janeiro, com mestrado e especializações realizadas em universidades como a London School e University of London. Cursou OPM na Harvard Business School. Autor de trabalhos publicados nas áreas comercial e de mercado de capitais, e com atuação no Conselho de Administração de grandes empresas, fundamentou sua carreira jurídica e executiva com foco do Direito Empresarial. Mas sua paixão vai além do mundo corporativo. Flamenguista apaixonado, Mauricio conhece os meandros do mundo profissional do futebol e de outros esportes. É sócio em empresas inovadoras como a 2Blive, uma startup global focada em soluções tecnológicas para suprir a carência no ensino, especialmente em áreas de grande necessidade como a África. Investe ainda na empresa Flow Kana, sediada na California, e voltada para a produção científica da Canabis para diversos fins, como medicinal, produção de roupas ou uso recreativo. A todos esses ingredientes, adicione ainda um profundo conhecimento sobre vinhos e os caminhos deliciosos da enologia. Essa é a receita do que vocês encontrarão por aqui.

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